sábado, 31 de julho de 2010

As crianças vão ao Zoo. Eu sou arrastado...

A Sílvia liga e diz que vai para Londres outra vez. Que surpresa. Que sorte. Que inveja. E diz que o Zé Eduardo tem uma conferência em Matosinhos sobre empresas em dificuldades nos mercados asiáticos a que não pode faltar de maneira nenhuma. Porque vai falar. Porque se paga. Porque é ele o promotor. Já se previa. Como a exilada britânica e o organizador de eventos não estão em casa durante todo o fim-de-semana, e a empregada brasileira (já é a terceira) decidiu ir de vez para Corumbá depois de mais uma discussão com o Zé sobre a qualidade do café e do bolo de fubá para o lanche dos miúdos, imaginem quem vai ficar de ama-seca? Pois é, depois da sessão de cinema japonês de há dias atrás parece que agora querem que eu realize o filme todo sem orçamento ou estrelas de primeira linha em dois dias.
Bem, isto promete. Um Sábado com 40 graus à sombra com dois terroristas à solta.
A Sílvia diz que o terrorista já não está doente e que já não come tufos de cabelo. Agora decidiu-se por tirar os sapatos e bater na cabeça da irmã. A terrorista também já recuperou do estômago mas agora está coberta de borbulhas que dão imensa comichão.
Ah, e os dois estão numa fase de ataques verbais com palavras dos Simpson e do Family Guy. Como não sei que expressões são essas não me preocupe muito.
Às 09.00 AM em ponto lá estou eu em casa para os ir buscar para mais uma odisseia. O terrorista está de calções de banho e mini-Havaianas e traz um boné ao contrário com a cara do Stallone. A terrorista está de vestido azul-turquesa, uma pulseira feita com caneta preta e os braços e pernas cheias de borbulhas vermelhas. A Sílvia diz que fez um lanche para os dois que pode servir também para o almoço e pede-me para os levar a um sítio giro e com piscina. Ainda penso ir ao Tamariz mas ela diz que esta semana eles já lá foram cinco vezes e que foram expulsos por terem feito xixi na água.
O Zé abraça-me a correr e deixa-me 100 Euros para as despesas do dia. Já que é assim penso em levá-los ao Gambrinus mas a terrorista não ia ser muito bem recebida com tanta borbulha visível. Ou de azul-turquesa que está muito out esta estação.
Bem, como as opções e o tempo escasseiam, penso em ir ao Zoo. Já há anos que não faço uma visita e as crianças parecem gostar da ideia. Tanto que o terrorista lança uma mini-havaiana contra a janela e parte o vidro. Começamos bem.
E aqui vamos nós. Primeiro de táxi até à estação da CP e depois de combóio até ao Cais do Sodré. A viagem no combóio é surreal porque a terrorista começa a dizer em alta voz que tem sarampo ou varicela e que fui eu que lhe peguei. As pessoas mudam de sítio e sorriem de forma penosa. O terrorista começa a dançar sem as sandálias e baixa o calção de banho de 5 em 5 segundos. Também ataca um senhor de idade porque diz que ele parece um Gormiti. Dos feios e maus, ainda por cima. Quando chega o cobrador tenho de pagar uma multa porque os dois anjinhos comeram os bilhetes entretanto e cuspiram para cima de uma rapariga que vai a dormir. Quando chegamos ao destino final a terrorista diz que os animais não são muito giros e que andam de um lado para o outro. Demoro 15 minutos a convencê-la que ainda não chegámos ao Zoo e que estamos apenas a mudar para o metro. Quando entramos na carruagem parece um cenário de filme de terror de Série B. O nudista de serviço começa a baloiçar num dos ganchos da cadeira e a gritar que tem fome e que eu não lhes dou de comer. A irmã entra na história e diz que eu lhes bato muito. Toda a gente olha para mim de forma perigosa e eu tento disfarçar dizendo que os vou levar ao psicanalista. Quando chegamos finalmente ao Zoo as crianças entram em êxtase logo na bilheteira e querem comprar os bonecos todos e os bilhetes de 24 horas que permitem dormir com as anacondas e na jaula dos leões. Não aceito e compro bilhete de família com desconto e 3 bebidas grátis à escolha. E lá vamos nós pela Arca de Noé em busca de um momento de tranquilidade. Que será muito longínquo seguramente pelos primeiros sinais. O nudista descalço vê as girafas e começa a gritar a dizer que quer subir para cima delas. A borbulhenta começa a coçar-se em frente ao castelo dos macacos e daí a 5 segundos os primatas estão todos a fazer a mesma coisa. Ela ri-se imenso e começa a lançar os ganchos do cabelo lá para baixo. Eles acham piada e começam a mandar excrementos e pedras. Estão muito felizes. O nudista já está de frente para os elefantes e grita que eles cheiram muito mal e estão velhos. Diz que quer outros que se pareçam com o Dumbo. A borbulhenta concorda e diz que quer ir ver as cobras. Vamos para o pavilhão dos répteis e começa o circo. Mal entramos e os miúdos começam a ver os lagartos e sardaniscas é um ver se te avias de gritos e insultos. Começam a bater nos vidros todos e a dizerem que vão fazer xixi com medo. E fazem. E desatam a berrar e a dizer que os lagartos são verdes demais e que não são nada como no Crocodilo Dundee. Por esta altura já o terrorista tem só uma sandália e metade de um Cornetto de morango no cabelo. A borbulhenta não está melhor e espalhou o Rol de caramelo nos braços e pernas porque diz que tem comichão. Ah, e tem mais borbulhas, agora na cara também. Como a situação é dramática decido levá-los a ver os leões. Devia ter pensado melhor. Acham uma seca e que eles não se mexem. E depois tenho uma ideia genial. Vamos ver os koalas. Toda a gente adora koalas, não é? E aí vamos nós. Quando chegamos estão os dois a dormir. Os miúdos observam com muita atenção e não dizem nada por uns instantes. Eu tenho a certeza que tomei a decisão mais acertada da minha vida. É então que o terrorista semi-despido e a borbulhenta coberta de gelado me confidenciam um segredo ao ouvido. Estavam à espera de mais. Estão muito desiludidos. Dizem que os koalas são muito preguiçosos e passam o dia a dormir. Uns com os outros. E que o pai não vai na conversa daqueles que não querem trabalhar e que os despedia no minuto se eles estivessem lá na empresa. Ah, e que detestam eucaliptos porque cheiram a rebuçados do Dr. Bayard. Vai ser um dia muito, muito longo.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

As porteiras com opiniões políticas gostam particularmente do Jean-Claude Van Damme...

A porteira da tia Mimi não gosta de intrusos não identificados no prédio. Não gosta de visitantes curiosos. Não gosta de carteiros. Não gosta de cães incontinentes ou gatos que miam muito alto à noite e deixam pelo. Não suporta o cheiro da lixívia ou do amoníaco. Não suporta lavar as escadas. Não pode nem ver alguém que prefira subir os degraus em detrimento do elevador da Otis. Não percebe o que é uma chave-dupla. Ou onde fica a conduta do lixo. A porteira da tia Mimi é por isso uma porteira por acaso. Poderia ter sido decoradora de interiores em Bali ou cantora no São Carlos. Ou até no La Scala em Milão com a Renè Fleming. Mas preferiu ser porteira. Porque gosta de viver num prédio onde conheça toda a gente. Onde lhe paguem para conviver e trabalhar. Onde lhe paguem para limpar o pó no Hall de entrada e regar as camélias de vez em quando. Onde lhe paguem para estar atenta. Onde lhe paguem para não ter que aturar a voz aguda da Cecilia Bartoli.
Esta porteira é para mim exemplar. Uma ave rara a preservar. Mas a tia Mimi não é da mesma opinião. Diz que já ninguém a quer no prédio e que ela se tornou num caso sério de personalidade múltipla. Há dias em que não deixa ninguém descer ou subir os degraus da entrada porque os gnomos estão a fazer uma casa do segundo para o terceiro patamar. Do terceiro para o quarto tem uma aranha de estimação e sete bichos-de-conta. Um dia teve uma visão da Virgem de Guadalupe numa torrada queimada ao pequeno-almoço. Disse-lhe que o 6º F ia arder. Na semana passada insistia que a Princesa Diana se tinha mudado para o 4º E. Sem o Dodi. Ela fez a mudança e jura que viu tudo. Há alguns dias ficou muda porque o Tony Carreira não pagou o condomínio do terceiro trimestre. Estava à espera da transferência bancária e nada. A tia Mimi diz que o Tony nunca ali viveu mas a porteira não vai na conversa e tem recibos e vales para descontar no Modelo e no Continente que atestam a teoria. Há um mês não parava de contar a toda a gente que o Figo estava a passar uns dias na casa dela e a dar lições privadas ao filho que quer ser jogador de futebol e se chama Uva-Passa. Bem, a minha tia Mimi diz que já estão fartos de uma porteira louca. E imprevisível. E impossivel de despedir com justa causa sem se alegar insanidade parcial. Mas o que fez saltar a tampa e desatar a polémica foi a nova mania da D. Maria José. Assim se chama ela.
Diz-se que a D. Maria José fundou um novo partido político e passa os dias a afixar cartazes por todos os andares. E a deixar panfletos reaccionários nas caixas de correio dos condóminos. A tia Mimi está possessa. E não vai aguentar muito mais este tipo de provocação. Diz que chegou o momento de fazer as contas com a D. Maria José e mandá-la afixar cartazes em Figueiró-dos-Vinhos. Presumo que seja onde nasceu. Mas a tia Mimi não sabe o duro que é mandar uma porteira embora. O difícil e triste que será cortar o cordão umbilical. E o penoso que será negociar de forma amigável com esta senhora. A tia Mimi desconhece por completo o poder efectivo de uma porteira de renome. E de uma porteira política, ainda por cima. Talvez líder partidária a esta hora. Seguramente líder da bancada parlamentar. Como quero ajudar a minha tia terei de documentar-me. Saio de casa e vou à procura dos cartazes e se ainda há algum folheto perdido por entre as facturas da TV Cabo e da La Redoute. E encontro pano para mangas à porta do 2º A e no tapete do 5º C. A tia Mimi tinha razão. Esta mulher tem de ser parada de imediato. Tem de ser detida sem hipótese de fuga. O cartaz diz assim: "PMD-Partido da Mulher a Dias". O Slogan é ainda melhor: "Aqui não há dia sim e dia não- Há dia para ganhar o pão". Se o cartaz é demolidor, o panfleto é de meter medo. Tem uma fotografia de corpo inteiro do Jean-Claude Van Damme e a seguinte frase "Faça KO ao seu patrão se ele não paga a prestação. O PMD luta consigo e por si. Partido da Mulher a Dias, é um ver se te avias". Coitadinha da tia Mimi. Não sabe onde se meteu.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

As dietas de frutas exóticas podem promover contorcionismos acrobáticos...

A Catarina está a fazer a dieta do ananás. A Rita a da papaia. A Maria parece que aposta pela da goiaba e do limão. Semana sim, semana não. A Margarida diz maravilhas da dieta da cenoura. Olham todas para mim. Eu não digo nada. Não estou a seguir dieta nenhuma. Nunca pensei nisso. Minto. Uma vez. Na Holanda quando estava no segundo ano da faculdade em Erasmus. A bolsa de estudo era pequena, a carne era cara e o peixe impossível. Dediquei-me de alma e coração a uma dieta de batatas e cenouras. Algumas courgettes. Alguns rebentos de soja. Sem exagerar, no entanto.
Elas dizem que eu não compreendo o sacrifício. O terror da balança. O perigo dos bikinis na praia. Os comentários sobre orcas e baleias que "deram à costa". Sobre celulite e a camada adiposa na pele. Sobre pele de laranja e casca de banana. A última é minha. Pura invenção.
Mas adiante. No fundo eu não percebo do assunto. Estou eternamente magro. Tenho um pacto com um anjo mau e lingrinhas. Fiz um acordo com o "Fininho" das séries da RTP Memória. Enfim, estou de tanga. Sem manga. Não preciso. E odeiam-me por isso. Não me podem ver à frente. Não me levam às compras no Outlet do Ralph Lauren em New Jersey. Não compram batidos comigo na farmácia. Não trocam receitas de liquidificadores. Não me querem nas aulas de Body-Pump. Estou excluído. Não por centímetros ou neurónios. Por gramas. Mas eu quero lutar e pertencer ao clube restricto. Quero saber a palavra-chave e o código de cinco dígitos. Vou fazer dieta também. Tenho de escolher uma fruta. É para já.
Vou ao Pingo-Doce ao final da tarde preparado para o desafio. Levo algumas ameixas. São diuréticas e refrescantes. Talvez me adapte. Levo cerejas. Diuréticas também e fáceis de comer. E giras. Vou adorar. Levo uvas. Brancas e negras. Vou tornar-me o seu melhor amigo e comer sem parar. Levo também goiabas. Têm uma côr engraçada e ficam bem na fruteira. Levo maracujá. Fica lindamente ao lado da louça da cristaleira. Levo pêra-abacate. Vamos ser parceiros para a vida. E depois passo pelos figos. Kilos também para dentro do carrinho.
Falta-me algo. Procuro outra vez. Ora aí estão. Pêssegos carecas. Adoro e não precisam de enxertos ou extensões como algumas pessoas. E pago tudo na caixa. Uma fortuna. As dietas com fruta são caras. Chego a casa e começo a comer. Hoje não janto. Amanhã não almoço. No fim-de-semana fico a água e cerejas. E faço chá com os pézinhos.
Estou óptimo, sinto-me bem e cheio de força. Elas tinham razão. Isto funciona. E limpa o organismo. Vou ler a Sábado. Acabo finalmente o artigo do Christopher Hitchens na Vanity Fair. E folheio algumas páginas do último romance da Naomi Campbell (vinha numa revista por mais 1 Euro). Sinto uma dor. Pequena. Insignificante. Depois outra. É uma cólica. Vai passar depressa. Não vai não. Tenho de correr. Não chego a tempo. Vou chegar. Tem de ser. Estou deseperado. Até choro. Passo as próximas horas sentado. Não me consigo levantar. Leio as revistas todas dos dois últimos meses. E alguns jornais regionais italianos. Penso trazer o computador portátil mas a ficha não dá. Muito pequena e muito pouco tempo para correr até à sala de calças pelos tornozelos. Ora bolas, se era assim tão fácil acabar com a prisão de ventre podia ter comprado 1 litro de Um Bongo. Já estava tudo misturado e não tinha caroços. E sai mais barato. A Maria está a ser roubada na mercearia.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

As gémeas podem ter opinões completamente diferentes sobre o mesmo assunto...

A Joana liga e diz que temos de falar. Mesmo. A sério. De vez.
Como o tom de voz é preocupante e ameaçador, tento lembrar-me se fiz alguma coisa nos últimos tempos que possa ser utilizado em pré-julgamento de forma nociva. Nada. Também não. Aquilo não é de certeza. A outra coisa ela só vai descobrir quando mandar trocar as resistências da máquina de secar. Ou se uma das empregadas for fanática pela limpeza em cantos e superfícies brilhantes com amoníaco. Ah...só se for o facto de ter roubado uma amostra do creme de barbear do namorado há dois anos na casa do Algarve. Cheirava bem e valeu a pena. Quero lá saber. Entrem os advogados. Julguem-me na praça pública. Mas cheiroso e com a pele bem hidratada. Como para além de grave e pesado o tom é também urgente, marcamos um café ao final da tarde. E talvez um bolo de chocolate pago a meias e comido por mim por inteiro. Também não me arrependo. Também cheira lindamente e hidrata o estômago. O bolo, digo. E pelas 18.30 PM lá estou eu no sítio habitual. Impaciente. Inquieto, Incomodado. Deve ser a cadeira. Não tem uma perna. Quando estou a tentar arranjar o objecto de design perneta chega a Joana. Em força. Colérica. Impressionante. Bronzeada excepto nas marcas do top de alças fininhas da Mango. Beija-me à pressa e pede uma limonada. Cheia de gelo. Olha-me fixamente e avança sem perdão. Quer que eu acabe com a relação da irmã. Que dê um pontapé no rabo do namorado da Sum Sum. Imediatamente. Para magoar. Ai a Sum Sum, que saudades! Mas ela nem ai nem ui com a irmã gémea. Diz que eu preciso de perceber que o namorado indigente da Sum Sum é para apagar de vez. Fazer desaparecer do mapa. Mandar fazer bolos para a Confeitaria Nacional no Natal. Na área dos brindes. A das favas já não tem vagas.
Eu confesso que estou chocado. Chocadíssimo. Chocadérrimo. E estou muito exagerado. É o bolo de chocolate. Deve estar estragado. Digo amedrontado que preciso de saber a razão de tal extermínio segmentado, tal ataque premeditado e sanguinário. Ela diz que está farta do Xico e que a irmã também já não o pode ver. Assim entendo. E assino por baixo mesmo sem ler as letras minúsculas do contrato de promessa e compra. Mas quero saber mais para avançar. Para formar um exército. Para comprar o tipo de bota correcto para bem pontapear. Ela diz que o Xico é um chato. Que não faz nada. Que não trabalha. Que só come douradinhos do Capitão Iglo. Todos os dias. Que não faz a barba há cinco meses. Que não se penteia. Que não usa desodorizante. Que usa sempre os mesmos sapatos. Até para ir dançar ao Lux. Que não lê nada. Que não ouve música. Que não fala de nenhum assunto interessante. Que acha a Condoleeza Rice sensual. Que acha a Paris Hilton uma brasa. Que acha o Milton Nascimento uma brasa. Que acha que o tempo este ano está uma brasa. Isto é mesmo grave. Tenho de intervir de imediato. A Joana não acha piada e diz que eu não percebo a gravidade da situação. O Xico não se aguenta. Não se pode ver nem a milhas numa SCUT. Não se levanta do sofá. Não lava os dentes imediatamente depois do jantar. Não range os dentes. Não usa aparelho nos dentes. Não sabe combinar as cores das calças com as meias. Não usa cinto. Não usa roupa interior. Não usa rato no computador. Não sabe assobiar. Não sabe onde fica o Kilimanjaro. Não sabe o que é o Kilimanjaro. Acha que quem sabe o que é e onde é o Kilimanjaro não tem o menor interesse. Não leu o último romance da Agustina Bessa Luís. Não ouviu o último disco dos Pink Martini. Não gosta de Dry Martini. Não gosta da azeitona do Dry Martini. Bebe directamente do gargalo da garrafa de cerveja. Não gosta de gomas. Não gosta de amêndoas cobertas com chocolate da Regina. Não gosta do nome Regina para a filha. Não gosta que lhe chamem pai. Não gosta do pai dele. Que seca! Ai Joana, que horror. Que suplício. Imagino o que tens passado. E a Sum Sum, devastada, coitada. Nas ruas da amargura. Nas avenidas do sofrimento. Que tédio. Que confusão.
"Então em que é que eu posso ajudar?".
"Tens de actuar agora", diz ela. "Não podes falhar!".
"Estou tão apaixonada que ela não pode perceber que eu lhe roubei o futuro marido".

terça-feira, 27 de julho de 2010

Os ciclos de cinema Japonês podem provocar consumos exagerados de pastilhas-elásticas...

O Zé Eduardo avisa com antecedência que vai passar por minha casa para deixar os miúdos. Uma antecedência de 15 minutos. Está à porta, por isso. A tocar à campainha não tarda nada. Ora aí estão eles. Eu, que acabo de tomar um duche de água fria e ainda nem calcei as pantufas, tenho de vestir a farda habitual para estas ocasiões e fazer bolos num forno ainda frio e passar o espanador pelas molduras e livros no chão. Quadros por fazer, livros por ler, revistas por abrir e folhear. Enfim, um passado desorganizado e um presente promissor.
A porta abre-se e entram os terroristas. Um precisa de ir à casa de banho de imediato e acho que nem chega a meio. A outra vem com canetas fluorescentes e começa a escrever nas paredes. O casal maravilha beija o amigo em pânico com certo desleixo e um tremendo casual chic e comunica que precisa de umas horas a sós. Longe dos terroristas. Numa Suite de um Hotel. Para curtirem o momento. Para esquecerem que tiveram filhos um dia longínquo e que pagam propinas altíssimas nos Maristas. Preparam-se para partir de imediato para Sintra ou Cascais e deixam algumas indicações. A terrorista está constipada. Tem birras de 10 em 10 minutos porque não lhe ofereceram uma Barbie Havaiana nos anos. Tem a mania que é pintora nas horas livres (todas) e vomitou o almoço. Três vezes. O terrorista está a ter um dia calmo. Já arrancou um tufo de cabelo e tentou comê-lo. Já cuspiu cinco Sugus na cara da irmã. Já ficou sem um sapato e sem as duas meias (não vai para matemático). Está a aprender a fazer beicinho quando não aceitam as suas condições. Isto promete.
A última instrução é enigmática. Os dois terroristas querem ir ao cinema. Ver o Shrek. Em 3D.
Quando me preparo para responder, já o casal de eternos namorados se despediu dos filhos e está no carro a ouvir Eric Clapton e Joe Cocker a caminho do ninho de amor na serra. Ou com o mar por perto. Ou com os dois numa falésia escarpada.
Bem, anoto prioridades. Começo por ir buscar o comedor de tufos de cabelo à casa de banho e quando chego já não há papel higiénico e os frascos de cosméticos de qualidade já foram pelos ares. Está tudo pintado de azul e laranja. Muito Pepsodent. Ele ri-se imenso e diz que está muito mais bonito e que brilha no escuro. E liga a luz para ver em pormenor. Parecem estrelas reluzentes. Ou cócó de pássaro. A constipada entra de rompante e arraga-se a mim desesperada. Tem fome. Vai vomitar. Tem fome outra vez. Vai vomitar. Que miúda tão indecisa, imagino nas eleições autárquicas.
Enfim, começa a festa no T0 com Kitchenette. E é aí que decido. Nada de loucuras criativas no apartamento e queixas dos vizinhos. Esta noite vai ser um belo de um jantar em estilo de picnic estival e sessão da noite no UCI do El Corte Inglés. Empacoto bolachas da Triunfo e sumos da Ceres (trato bem os sobrinhos), lavo as mãos dos dois e faço alguns mini-sandwiches de fiambre e queijo Brie (já passou da data mas ninguém vai perceber). Visto o meu pólo sem nódoas da Hackett e os jeans com 50% nos saldos da Sacoor. Here we go!
Vamos de metro e a viagem não custa muito a fazer. A terrorista escreve nos vidros (futura graffiter ou tagger) e o terrorista descalço salta ao colo de uma velhinha Sueca que acha imensa piada: " So lovely! In Sweden children never jump like this!".  Cada macaco no seu galho, portanto. Chegamos ao cinema e há filas intermináveis. O terrorista quer ir à casa de banho outra vez e perde o outro sapato na sanita. A terrorista constipada começa a tossir para cima do vendedor de pipocas que fecha o Stand. O senhor da Bilheteira diz que já não há lugares para o Shrek em 3D. Para os próximos dois meses. Os miúdos olham para mim e começam a gritar a dizer que foram raptados. Por um extra-terrestre, ainda por cima. A constipada dá-me um pontapé e começa a fugir para a área de perfumes.
Eu, em desespero de causa, digo que era a brincar. Que afinal há bilhetes. Que vamos ver o Shrek. Eles gritam outra vez, mas de alegria. Somos felizes novamente. E entramos para a sala. Há 5 cadeiras ocupados e os terroristas acham estranho mas não vacilam. Começam a devorar o kilo de ursinhos da Haribo e a beberem Coca-Cola pelas palhinhas. Começa o filme. Chama-se "O Samurai de Okinawa". É do Akira Kurosawa. De 1979. As crianças vêm com atenção e não se rebolam nas cadeiras demasiado. Eu começo a rezar e peço para que elas aguentem até ao fim. Foi uma medida de emergência. Tive de arriscar. Ou era isto ou um alarme de incêndio. Depois de duas horas começo a temer pelo pior. As crianças não se mexem e comeram as guloseimas todas. O filme acaba. As luzes acendem-se. Elas olham para mim. Estou branco como um fantasma que não pagou o IRS a tempo.
"Tio, gostei muito. Em 3D parece a preto e branco. E os bonecos parecem mesmo reais. Como pessoas. O Shrek nasceu no Japão?". Eu nem sei o que dizer. Espero um pouco e arrisco. "Alguém quer pastilhas da Gorila?". Os miúdos desatam a rir e abraçam-me. Eu faço um balão gigante que rebenta de imediato. Tenho a cara cor-de-rosa. Sou um especialista educativo do PS.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Um bom Stiletto pode provocar dores de cotovelo significativas...

Hoje o 28 nem está tão mal. Já vi dias bem piores. Em pé. E apertado. Mas hoje não. Hoje vou sentado e tenho cerca de uma hora tranquila até Belém neste autocarro de renome.
É verdade que já vou há quinze minutos a ouvir a história da vida da D. Benvinda. O filho é comando (dos bons) mas não vai para o Afeganistão. O cão está a morrer com este calor. O piriquito nunca mais se endireita (fugiu duas vezes e da última voltou só com uma asa), e a nora é uma besta. Assim. Tal qual. A nora da D. Benvida não presta para o filho. O Carlos podia ter cinquenta melhores que ela. Hoje. Agora. Mas ela enfeitiçou-o com um sapo numa curandeira. E leva-o pelo beicinho. Um comando. Vejam lá. Enquanto a D. Benvinda me conta também que o filho teve uma amante na Bósnia e foi uma avó pouco presente (a criança ficou em Sarajevo ou Mostar, ela não se lembra muito bem), e que vai precisar de ser operada à hérnia discal pela quarta vez no Hospital da Luz em Setembro, eu tento ver a paisagem. E abano a cabeça. Mostro-me surpreendido. E feliz. E triste. Sou um actor fantástico. E nem precisei do ano zero no Chapitô. Mas quando a D. Benvinda continua na senda de crítica cega à nora desavergonhada, toca o meu telemóvel. Eu, que odeio atender geringonças minúsculas em sítios públicos, ponho no silêncio. A D. Benvinda acha bem. Também não gosta de berloques. Mas o telefone não pára de tocar. Silêncio outra vez. E toca de novo. A esta altura a D. Benvinda até se benze e diz que é um sinal e que eu tenho de atender. Se calhar alguém foi atropelado. Ou explodiu o esgoto na rua. E aí eu atendo. Odeio maus cheiros.
É a Maria. Que chata, liga-me sempre quando eu estou no autocarro. E nem me deixa falar. Grita tanto ao telefone e fala tão depressa que a D. Benvinda me agarra a mão e acena a cabeça de mansinho (parece compreensiva). A Maria dispara a torto e a direito e ouve-se já na 24 de Julho (que bom, já falta pouco para Belém). Diz que eu tenho de passar por casa dela e trazer uns sapatos. Uns bons, de verniz e salto alto. Eu acho que a minha amiga está alcoolizada logo de manhã e começo a duvidar se ela não anda a misturar o Benuron com o Alvarinho fresco da quinta dos sogros. Mas ela diz que não. Que eu não percebo. Que ela está deseperada. A D. Benvinda até treme com os gritos e as palavras amargas do outro lado da linha. Parece que a Maria foi assaltada. Em plena luz do dia. Em público. A D. Benvinda começa numa ladaínha sobre assaltantes e carteiristas nos eléctricos e a cena descamba para o circo. De um lado uma que grita que precisa de sapatos e que eu tenho de ir à Lapa buscá-los de imediato. Do outro uma que diz que por ela os que roubam estavam todos na cadeia. Sem prisão preventiva. Sem direito a televisão na cela. Tento acalmar as duas e perceber o que se passa. A Maria diz que estava no cabeleireiro a pintar as unhas dos pés e que alguém roubou os Stiletti da Marc Jacobs. Aqueles que ela tinha comprado em Paris comigo. Os que já percorreram meia Lisboa sem quebrar o salto. Os sapatos milagrosos. Ai meu Deus (digo eu e a D. Benvinda)! Mas como é que isso foi possível? A Maria diz que é um bando que actua nos centros de estética de Lisboa e que conhece alguém que já ficou sem três pares da Prada (e umas sandálias da Lanidor em saldo). A D. Benvinda diz que a estes também os punha na prisão. E descalços. Eu digo que me parece bem e toco na campaínha para sair na próxima paragem. Lá se vai o meu almoço no CCB. A D. Benvinda diz que eu sou um amigo verdadeiro e que nunca duvidou. Ela diz que tem olho para estas coisas e que já sabia quando me viu entrar no Parque das Nações. Eu agradeço o elogio e levanto-me do assento. A Maria continua a gritar ao telefone e diz que está descalça. Que não consegue sair da pedicure para ir ao Ballet com a filha. Que eu tenho de ir ter com a Filipa e fazer a aula com ela. Mas primeiro precisa dos sapatos. Ora bolas. Que dia. O autocarro pára de repente e a D. Benvinda dá-me um toque no braço e sussurra-me ao ouvido. "A minha nora não usa esses "Stiroletti" de marca. Não tem categoria e é marreca. Se a sua amiga se divorciar, diga-lhe que o meu filho é comando da tropa e fica lindo com a farda. E que ela não se preocupe que ele é bom pai para os meninos e ensina-lhes disciplina da boa".
A D. Benvinda é uma santa. A Maria que se cuide.

domingo, 25 de julho de 2010

Berlim está na berra. E toda a gente grita imenso sobre o assunto...

O Luís Filipe desistiu de ir para Kuala Lumpur. Diz que estava de cabeça perdida quando tomou a decisão mas que agora está bem. Já recuperou da loucura. Já pode tomar uma decisão. Já acertou na medicação. E quer ir para Berlim. O mais depressa possível. Até amanhã se existir voo em Low Cost. Eu, habituado a estas flutuações de desejos e vontades imediatas que nunca se materializam com o meu amigo, digo que sim. Que acho óptimo. Que ele vai adorar. Que já não volta. Que é para sempre (com as últimas afirmações fico algo triste mas resisto a chorar. Disfarço muito bem e digo que é uma alergia).
O Luís está tão convencido que Berlim vai ser o seu Shangri-la (T1 com vista para a Alexander Platz) que até começou a ter aulas de alemão. Já vai na terceira e sabe dizer porco. E cuidado. E atenção. Pouco mais. Mas ele aprende depresssa e vai ser um êxito com as alemãs. Não é todos os dias que se vão poder cruzar com 2 metros de um lutador de Jiu-Jitsu reconhecido no ranking mundial. Ou com um cabelo que nem precisa de gel. E que sabe dizer cuidado na língua nativa. É um plus. Não o vão deixar em paz. Vêm mais sobrinhos a caminho que vão adorar conhecer o tio Português num T0 com Kitchnette em Lisboa. Que também sabe dizer porco. E nada mais.
O Luís quer então o meu conselho sobre o que pode fazer na capital da maior economia europeia. Onde pode trabalhar. Onde pode comer e comprar bifes de soja e sementes de sésamo. Eu, que nem sabia que ele tinha virado vegetariano, tento fazer um roteiro esquemático para que ele se sinta em casa. Digo que ele pode ser um Personal Trainer de excepção para viúvas ricas em Potsdam. Ou um professor de artes marciais num colégio em Charlottenburg. Ou um artista de rua em Bahnhof Zoo. Ele não se mostra muito convencido. Diz que quer abrir uma galeria numa área desocupada da cidade. Uma plataforma de vanguarda para exibir novos talentos num descampado perigoso. Eu, que desconhecia por completo que ele era um grande artista com catálogo na Sotheby´s e portfolio na Leo Castelli, fico maravilhado com esta vontade férrea e tão específica. E até perigosa. Será marketing de guerrilha? É que toda a gente parece que pensa como o Luís nestes últimos meses. Ou anos. E toda a gente está a emigrar para um exílio existencialista moderado na antiga Prússia. Assim de repente. Por paixão. Como uma salsicha em busca de um bom pão. Como uma boa mostarda. Já estou a delirar. Mas a verdade é esta. Não há como escapar. Berlim é a nova Londres. A nova São Francisco. Mais fria, é certo. Mas mais ardente. Mais underground. A nova Barcelona para a geração dos trintões com projectos por desenvolver e questões para amadurecer. E talvez relações de que fugir a sete pés (a última namorada do Luís já tinha comprado imensos bikinis e factor de protecção 50 para a Malásia e nunca o perdoou). Enfim, Berlim é a nova meca para os jovens-empresários com imensas ideias e sonhos por cumprir. Aflitos ou bafejados pela sorte, todos querem comer uma bola de berlim com creme. E é então que decido que vou ajudar o meu grande amigo com todas as forças. Sem olhar para trás (estou com um torcicolo). Sem olhar a meios (talvez possa controlar os aspectos financeiros com um empréstimo). Vou patrocinar a viagem do Luís para a nova Jerusalém dos artistas e génios de excepção. Começo a cantarolar uma música da Ute Lemper e imagino-me a passar férias de alguns meses naquele T1 que o Luís vai alugar. A Maria também vai. A Inês não vai resistir. E depois tenho uma ideia brilhante. Lembro-me de um artigo na Art Forum sobre a nova zona a explorar na cidade. Adeus Mitte. Good-Bye Karl Marx Allée. Olá traseiras da Hamburger Banhof. E comunico ao Luís o meu conselho direccionado. A minha dica instrumental. A minha contribuição para a sua intrínseca felicidade e futuro como galerista. "Hamburger Banhof?", diz ele. "Já te disse que sou vegetariano".