segunda-feira, 26 de julho de 2010

Um bom Stiletto pode provocar dores de cotovelo significativas...

Hoje o 28 nem está tão mal. Já vi dias bem piores. Em pé. E apertado. Mas hoje não. Hoje vou sentado e tenho cerca de uma hora tranquila até Belém neste autocarro de renome.
É verdade que já vou há quinze minutos a ouvir a história da vida da D. Benvinda. O filho é comando (dos bons) mas não vai para o Afeganistão. O cão está a morrer com este calor. O piriquito nunca mais se endireita (fugiu duas vezes e da última voltou só com uma asa), e a nora é uma besta. Assim. Tal qual. A nora da D. Benvida não presta para o filho. O Carlos podia ter cinquenta melhores que ela. Hoje. Agora. Mas ela enfeitiçou-o com um sapo numa curandeira. E leva-o pelo beicinho. Um comando. Vejam lá. Enquanto a D. Benvinda me conta também que o filho teve uma amante na Bósnia e foi uma avó pouco presente (a criança ficou em Sarajevo ou Mostar, ela não se lembra muito bem), e que vai precisar de ser operada à hérnia discal pela quarta vez no Hospital da Luz em Setembro, eu tento ver a paisagem. E abano a cabeça. Mostro-me surpreendido. E feliz. E triste. Sou um actor fantástico. E nem precisei do ano zero no Chapitô. Mas quando a D. Benvinda continua na senda de crítica cega à nora desavergonhada, toca o meu telemóvel. Eu, que odeio atender geringonças minúsculas em sítios públicos, ponho no silêncio. A D. Benvinda acha bem. Também não gosta de berloques. Mas o telefone não pára de tocar. Silêncio outra vez. E toca de novo. A esta altura a D. Benvinda até se benze e diz que é um sinal e que eu tenho de atender. Se calhar alguém foi atropelado. Ou explodiu o esgoto na rua. E aí eu atendo. Odeio maus cheiros.
É a Maria. Que chata, liga-me sempre quando eu estou no autocarro. E nem me deixa falar. Grita tanto ao telefone e fala tão depressa que a D. Benvinda me agarra a mão e acena a cabeça de mansinho (parece compreensiva). A Maria dispara a torto e a direito e ouve-se já na 24 de Julho (que bom, já falta pouco para Belém). Diz que eu tenho de passar por casa dela e trazer uns sapatos. Uns bons, de verniz e salto alto. Eu acho que a minha amiga está alcoolizada logo de manhã e começo a duvidar se ela não anda a misturar o Benuron com o Alvarinho fresco da quinta dos sogros. Mas ela diz que não. Que eu não percebo. Que ela está deseperada. A D. Benvinda até treme com os gritos e as palavras amargas do outro lado da linha. Parece que a Maria foi assaltada. Em plena luz do dia. Em público. A D. Benvinda começa numa ladaínha sobre assaltantes e carteiristas nos eléctricos e a cena descamba para o circo. De um lado uma que grita que precisa de sapatos e que eu tenho de ir à Lapa buscá-los de imediato. Do outro uma que diz que por ela os que roubam estavam todos na cadeia. Sem prisão preventiva. Sem direito a televisão na cela. Tento acalmar as duas e perceber o que se passa. A Maria diz que estava no cabeleireiro a pintar as unhas dos pés e que alguém roubou os Stiletti da Marc Jacobs. Aqueles que ela tinha comprado em Paris comigo. Os que já percorreram meia Lisboa sem quebrar o salto. Os sapatos milagrosos. Ai meu Deus (digo eu e a D. Benvinda)! Mas como é que isso foi possível? A Maria diz que é um bando que actua nos centros de estética de Lisboa e que conhece alguém que já ficou sem três pares da Prada (e umas sandálias da Lanidor em saldo). A D. Benvinda diz que a estes também os punha na prisão. E descalços. Eu digo que me parece bem e toco na campaínha para sair na próxima paragem. Lá se vai o meu almoço no CCB. A D. Benvinda diz que eu sou um amigo verdadeiro e que nunca duvidou. Ela diz que tem olho para estas coisas e que já sabia quando me viu entrar no Parque das Nações. Eu agradeço o elogio e levanto-me do assento. A Maria continua a gritar ao telefone e diz que está descalça. Que não consegue sair da pedicure para ir ao Ballet com a filha. Que eu tenho de ir ter com a Filipa e fazer a aula com ela. Mas primeiro precisa dos sapatos. Ora bolas. Que dia. O autocarro pára de repente e a D. Benvinda dá-me um toque no braço e sussurra-me ao ouvido. "A minha nora não usa esses "Stiroletti" de marca. Não tem categoria e é marreca. Se a sua amiga se divorciar, diga-lhe que o meu filho é comando da tropa e fica lindo com a farda. E que ela não se preocupe que ele é bom pai para os meninos e ensina-lhes disciplina da boa".
A D. Benvinda é uma santa. A Maria que se cuide.

1 comentário:

  1. Bem, já mandei umas tantas gargalhadas por aqui. Gosto do teu sarcasmo brincalhão que sublinha muito bem o melhor de todos nós, povos deste mundo.
    I am a follower :) I have to. London is too flat, need this reminders to move along.

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