domingo, 15 de agosto de 2010

A Maria experimenta um Sauvignon Blanc. E um Chardonnay. Acaba a tarde com uma Ginginha on the rocks...

A Maria diz que eu não a posso abandonar esta tarde. Que me expulsa da casa de férias, do barco a motor em St. Tropez e da conta conjunta no Luxemburgo aberta em 92 num momento de loucura na floresta das Ardenas. Que não me deixa usar o bronzeador da Clarins na praia e os Berluti do marido de vez em quando em festas na Carrapateira ao ar livre. E que me corta a mesada. A Maria está louca porque não me dá mesada desde os 21 anos quando percebeu que eu em vez de comprar a Vogue Americana comprava bolos e rebuçados Diamante. Ocasionalmente Pintarolas. Nem sempre, no entanto. Sucumbi algumas vezes à tentação e comprei a revista K do Esteves Cardoso e alguns livros de bolso do Raymond Chandler em promoção na Bertrand. E também comprei uma biografia da Edith Warton. Deve ter sido isso que provocou o corte nos fundos semanais da Maria. Ela diz que não se lembra de nada mas a Maria é sempre esquecida nestas ocasiões. Como quando se esqueceu de embarcar com a família toda para a Costa Rica porque tinha madeixas para fazer no Patrick. Bem, adiante. Como isto parece sério e a conversa está repleta de ameaças, decido perguntar de forma inocente para que é que ela precisa de mim. Ela diz que precisa sempre de mim e que hoje não é excepção. A Maria é uma querida. Estou derretido. Em perfeito Banho-Maria. E é então que confessa que vamos os dois a uma prova de vinhos na quinta do marido no Alentejo. Eu confesso que não me lembro de ter ido a nenhuma quinta da Maria ou do marido no Alentejo mas ela diz que eu já lá estive muitas vezes quando éramos mais novos. E que até andei a cavalo e nadei no lago ao relento. Eu começo a desconfiar que devo ter sofrido uma overdose de M&M de amendoim há algum tempo e que perdi a memória. Enfim, a Maria diz que tem uma quinta que produz uma casta de vinho vencedora em Bruxelas e que hoje é dia de provas na Herdade. Depois do pequeno-almoço à pressa lá me vem buscar a casa e aí vamos nós para Borba. Parece que é lá. Ela não se lembra bem do nome da terra ou do monte porque já não lá vai há 10 anos. Mas diz que já introduziu as coordenadas que o marido indicou no GPS e que o carro se guia sozinho. Da última vez que o carro se auto-guiou a Maria e eu entrámos por uma das portas principais do Shopping das Amoreiras e vimos a colecção da Globe e da Lanidor muito de perto. A Maria diz que eu sou um exagerado e que ninguém se feriu. É verdade. Tirando os 7 seguranças que queriam levar a Maria presa e as empregadas das lojas que ficaram sem dois pares de sapatos e quatros túnicas dos manequins, ninguém se feriu. Adiante. Depois de hora e meia em velocidade controlada no Jeep Pajero e da senhora do GPS a repetir "Wrong way. Stop. Wrong Turn. Danger. Stop." de 5 em 5 minutos, lá chegamos à Herdade. De repente lembro-me de tudo. Até dos mergulhos no lago sem calção de banho. Sempre fui um nudista distraído mas a Maria diz que eu não me endireito. A Maria estaciona ao lado de dezenas de viaturas e chegam os caseiros. O Sr. Filipe diz que eu estou mais magro mas que não envelheci nada. A D. Sofia diz que eu não envelheci nada e que continuo magro como sempre. São um casal politicamente coeso, portanto. Devem ter votado no Nicolau Breyner nas últimas eleições autárquicas. Uns queridos. A Maria entra na casa principal e damos de caras com centenas de pessoas envoltas nas provas de vinho. Uns cospem para uns baldes e os outros dizem maravilhas em Inglês, Russo, Francês e algo de Ucraniano (desconfio pelo acento de Odessa) dos rótulos das garrafas e do néctar que provam e bebericam com prazer. Um enólogo Português de renome aproxima-se da Maria e diz que ela deve estar orgulhosa do seu Chardonnay. Ela olha para o pulso e diz que é um Santos da Cartier, não um Chardonnay. O homem não percebe e começa a explicar que ao contrário do Chardonnay, o Sauvignon Blanc misturado com o Touriga Nacional deu este ano um néctar com leve sabor a amoras silvestres, travo de tabaco envelhecido, alfarroba e um leve perfume de caramelo torrado. A Maria ouve tudo com muita atenção e diz que concorda. Está o especialista ainda a tecer largos e longos elogios quando chega um crítico do Financial Times e congratula a Maria pelo Sauvignon também. Diz que sabe a ameixa, uva-passa com um travo de solo calcário e que deixa transparecer um perfume de pêssego passado em frigideira de cobre com manteiga de vaca açoreana. A Maria está em êxtase e aprecia os comentários abonatórios. O colega do Sunday Times e amigo pessoal do crítico do FT aproxima-se e diz que prefere o Chardonnay porque tem um travo amargo de flor de laranjeira e um fundo opaco de figo ou medronho apimentado. Fala também de um ligeiro perfume a oliveira ao relento na Primavera e de um gosto intenso de amêndoa torrada e amora Finlandesa das florestas de Turku. A Maria concorda e abana a cabeça. Eu provo um pouco do Chardonnay e avanço: " Pois a mim parece-me que esta colheita é talvez ainda melhor que a do Beajoulais do ano passado. Talvez mesmo superior ao Mouton Rotschild de 87. Sinto um leve gosto de ameixa apodrecida ao sol, avelã, talvez mesmo noz moscada de Ouarzazate. E diria mesmo que o perfume se assemelha a palmeira ressequida à sombra em Florianópolis e tem um leve, apenas leve, traço de bolacha torrada da Triunfo. Talvez canela. Talvez absinto. Ou talvez nem isso. Apenas goiaba fresca e hortelã-pimenta. Seguramente algo de chocolate negro de Maracaíbo, seguramente não da Corallo de São Tomé" O crítico do FT dá-me um cartão e diz que eu posso ter um futuro como escritor no jornal. A Maria responde que eu já trabalho para a família e que sou o enólogo responsável por toda a produção deste ano. Os convidados trocam olhares cúmplices e dizem que a escolha não poderia ter sido mais acertada.