sábado, 24 de julho de 2010

Os ginásios são os novos centros de decisão. Sob um curioso efeito estufa...

A Maria diz que Washington já teve melhores dias. Que Ottawa já era. Que Canberra podia fazer mais. Que Varsóvia nunca vai lá chegar. Como estamos no bar do ginásio a beber um batido energético de morango, penso que os comentários se devem a algum nome de uma nova marca de equipamento desportivo. Parece que não. Parece que estamos a falar de centros de decisão. Onde se decide em que direcção segue o mundo. Para que lado vão os mercados. Para onde segue o dinheiro. Onde comprar a próxima coleira para o cão. Eu, que estou sempre atento aos prognósticos da Maria, tento perceber mais do assunto. A minha amiga pede um outro batido, este proteico e de banana, ajusta o maillot e segue em discurso acelarado. Diz que os centros de decisão estão hoje na micro-economia, no pulsar das PME, no sentir dos mercados regionais. Eu, que nem sabia que tínhamos dito adeus à globalização macro-económica e às tendências analíticas de Wall Street e do Footsie de Londres (o Nikkei também está passé, segundo a Maria), fico cheio de dúvidas e começo a temer pelo pior. Será que Zurique também deixará de ter importância? Que o Luxemburgo passa para segundo plano? E San Marino, corre o risco de desaparecer? Como o medo se começa a instalar pego no telefone e digo à Maria que quero que o Zé Eduardo invista as minhas poupanças na Serra da Gardunha. Talvez na Rota das Aldeias do Xisto. Parece que o retorno do IRS é muito bom nesta região. A Maria diz que eu só digo disparates e ri-se muito com o assunto. Diz que eu não estou a ver bem a questão (outra vez a piada do estrabismo). Diz que o dinheiro agora circula por corredores do poder mais próximos, mais íntimos, mais perceptíveis a olho nú. Se já estava com dúvidas agora entro em pânico. Querem ver que agora tenho de investir na Triumph ou na Impetus? Talvez na Abanderado ou na Dim. Uma economia de boxer ou slip. Ora esta. A Maria ri-se outra vez e aponta a direcção como um bom perdigueiro. Diz que eu tenho de estar atento. Olhar à minha volta. É o que eu faço de imediato. "Mas estamos num ginásio. O que é que pode acontecer?". E é aí que a minha amiga revela as cartas. O baralho todo. Diz que os ginásios são os novos centros de decisão para os gestores de topo. Para os políticos. Para os publicitários. Para os editores de revistas. Para os vendedores de seguros também. Eu fico estarrecido com esta revelação. Nunca tinha pensado nisso. Mas faz todo o sentido. E começo a ver os primeiros indícios. As conversas sobre subidas e descidas (nos mercados, não nas máquinas de montanha), os sorrisos marotos nas passadeiras (a controlarem os fundos na Coreia do Sul e não o ritmo da geringonça), os suspiros e fôlegos ao extremo (perdas e ganhos de milhões na bolsa de Buenos Aires). Estou a ver tudo como pela primeira vez. Como no Matrix. E é aí que ouvimos um estrondo. E gritos. E gente a correr. E vamos ver de imediato qual a causa de tamanha agitação. Quando chegamos a uma das salas estão dois senhores de meia-idade no chão em desmaio cinematográfico. Chega o médico e o monitor da aula de Salsa. Reanimam os dois e tudo parece correr pelo melhor. Já estão a ganhar uma corzinha e tudo. Mas todos sabem o que aconteceu e compartem o mesmo segredo. Todos sabem que este CEO e CFO de uma grande multinacional acabaram de saber que não ganhavam bónus este ano. E que perderam o controlo accionista para os Marroquinos. É o caos. É a bomba jornalística. Estou a ver tudo. Sinto-me lindamente. E com poder, muito poder analítico. A Maria dá-me um toque no braço e sussurra-me ao ouvido: "Parece que beberam 3 Red-Bull gelados depois do almoço e parou-lhes a digestão. E a música da Rihanna na aula de hoje também não ajudou". Ora bolas, lá se vai a minha teoria...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Blackberry é um Moleskine personalizado com botões que brilham no escuro...

Estou a tentar ligar há dois dias para o Zé Eduardo sem sucesso. Sem voz do outro lado da linha. Sem sinal. Sem necessidade. O Zé tem passado uma semana difícil no trabalho e deixou o telemóvel com a secretária. A secretária é eficiente e metódica mas não ajuda muito. Diz que ele não está. Que não pode atender. Que saiu para almoçar, que está em reunião. Que está no WC. Que está no trânsito numa zona sem rede da Vodafone. "Ah, mas o telefone dele é da TMN", asseguro eu. "Agora já não, tem as três redes associadas. E a UZO também desde o mês passado. "Ah, deve estar no Triângulo das Bermudas. Ali para o lado de Barcarena". Ela não percebe muito bem e pergunta se eu quero deixar recado. E pergunta também se já enviei uma mensagem para o Blackberry. "Não sei, posso enviar por SMS?". Ela fica chocada e diz que a linha está com interferências. Desliga na minha cara. Nunca gostei da rapariga. Vou então tentar o Blackberry, penso eu. E começo a escrever uma mensagem. Quando chego à fase final do " LIGA-ME URGENTE!" carrego na tecla de enviar. O telefone indica várias opções e decido-me pela "como mensagem escrita". Depois hesito e escolho "por email". A mensagem segue. E nada. Ora bolas, devo ter enviado para o SPAM do Google, penso eu. Para o ciberespaço da desilusão. Para o buraco negro da existência digital. Devo ter mandado para o boneco. E é neste momento de pura filosofia de Kierkegaard que me ponho a pensar no assunto. E tanto me debruço sobre a questão que a minha vizinha pensa que eu vou saltar pela janela.
Mas desde quando é que toda a gente que interessa e sem a qual não podemos viver (amigos, amantes,electricistas, contabilistas no final do ano) deixou de estar disponível?
Parece que de repente toda a gente tem uma agenda com os compromissos da Hillary Clinton ou do CEO do Citigroup  e nunca nos pode atender ou receber. Ora estão num almoço importantíssimo, ora estão no baptizado do filho, ora estão na praia do Ancão, ora estão na discoteca e não se ouve nada. Ora estão também numa manifestação. Política. Pela falência dos Porfírios na Baixa. Raios e coriscos (que saudades de boa televisão). Parece que hoje em dia ninguém pode atender. Têm todos milhares de coisas para fazer e nunca é connosco. Temos de marcar almoços com três meses de antecedência, apresentações com seis meses de pré-aviso, reuniões com um ano de risco sério de naufrágio. Desconfio sempre destas pessoas e das suas agendas a abarrotar. Ou do Blackberry que vai avisando dos compromissos. Acho que isto é tudo estratégia. Vou fazer-me difícil porque sou muito bom. Porque sou o melhor, porque sou indispensável. Deve ser por isso que depois os encontramos no Santini a comer um cone de cinco bolinhas quando deveriam estar a finalizar o orçamento para 2011. Tanto trabalho para nada.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A minha tia Mimi não gosta do Warren Buffett (e não morre de amores pelo Jimmy Fallon)...

A minha tia Mimi é como um bom pêssego em calda. Agrega sempre qualquer coisa de deliciosamente inesperado a uma receita sobejamente conhecida. É por essa razão que em finanças a minha tia é imbatível. Conselhos para investir na bolsa, metodologias de aplicação de fundos em mercados emergentes, cálculos de divisas cruzados, é com ela que têm que falar. Claro que a minha tia não tem nenhum curso de gestão ou economia aplicada (talvez estatística por correspondência), e acha que o ISCTE é uma sigla para identificar movimentos comunistas na Eslováquia. Do ISEG nem vou falar porque é óbvio e sobejamente conhecido que representa grupos de pressão do Paul Krugman em disfarçe operativo.
Mas a minha tia tem jogo de cintura e trabalha bem com a calculadora. Já quando era criança ficava babado com tanta inteligência e sabedoria. A minha tia sabia o nome de todos os amigos do Tom Sawyer e a verdadeira razão porque ocorreu a célebre discussão entre ele e o Huckelberry Finn. Queriam ambos utilizar o dinheiro que estava no mealheiro e toda a gente sabe que basta um para partir o porquinho, dizia ela. Tratou-se por isso do primeiro exercício de economia de escala. Em miniatura.
A minha tia via também mensagens subliminares nos Marretas. Especialmente no urso Fozzie (cantor e entertainer que não ia a lado nenhum e vivia seguramente de subsídios estatais), e também na Rua Sésamo (o monstro das bolachas não sabia poupar e comia tudo de boca aberta). Enfim, uma infância passada à frente da televisão com a minha tia Mimi foi uma verdadeira e eficaz lição de vida. E uma lição que se mantem no presente como num cofre da UBS. Deve ser por isso que ainda hoje vemos alguns programas juntos depois dos jantares à Quarta-Feira. A única coisa que não compartimos é o gosto pelos apresentadores. O coração da Mimi bate pelo Jay Leno e o meu pelo Jimmy Fallon. Será que posso perdoar tamanha injustiça? A Mimi também gosta da Tyra Banks mas nenhum de nós percebe a Ellen. Deve ser muito avançado porque mudamos sempre para o National Geographic.
Mas a Mimi diz que nos últimos tempos há certas coisas que não percebe mesmo. E como gosta de opinar com conhecimento de causa pede a minha opinião letrada.
Diz que está a ler o "Snowball Effectt" do Warren Buffett e não percebe porque é que o livro se tornou num Best-Seller instantâneo de Kathmandu a Nairobi. Eu, a medo, digo que o livro não é de pacote e não vem em pó, mas ela não percebe a piada. Isto é sério.
Tento pensar numa explicação válida para explicar a ascensão fulgurante da nova bíblia dos investidores mas ela não vai na canção de embalar (ou eu tenho uma péssima voz para cantar-adeus casting para os Ídolos). Diz que o que não entende é como é que o Warren Buffett chegou onde chegou com falinhas mansas. Qual é o génio? Qual é a função? What´s the point?
A minha tia é muito metódica e isto vai durar algum tempo. Reformulo o meu discurso e aplico uma lição moral. Explico que o senhor tem uma fundação filantrópica com o Bill e a Melinda Gates e que está a doar parte substancial da fortuna para projectos de desenvolvimento sócio-económico em África. É um bom homem. Repleto de boas intenções. A minha tia deixa-me acabar o discurso e dispara à primeira. "Isso é para fugir aos impostos. As leis de mecenato e dotação orçamental para despesas de inter-ajuda comunitária estão isentas nos EUA. E revertem a favor em 65% para as empresas que as promovem". A minha tia é um génio. Deve ser por isso que quanto mais o Warren dá, mais rico fica. Tudo explicado. A minha tia devia ser colunista do Les Echos ou do NY Times. Pena que pense que o último é uma sigla para identificar o boletim meteorológico.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

As pessoas cinzentas precisam apenas de um bom auto-bronzeador...

O Zé Eduardo diz que as pessoas são como um ovo escalfado. Rebentam com a pressão. Como estamos a comer croquetes e esparregado no Gambrinus não percebo bem o alcance da metáfora. Mas a frase não me sai da cabeça. E depois do almoço tenho uma epifania como se tivesse sido visitado pelo espírito da Suzanne Vega (estou a ouvir o CD dos Greatest Hits na FNAC).
Eu também acho que as pessoas são esquisitas. Eu por exemplo hoje não me suporto. E ontem também não foi um dia bom. Amanhã falamos. E com estas indagações ponho-me a pensar o que me faz saltar a tampa (volto mentalmente à cozinha do Gambrinus para elaborar).
O que me faz entrar em ebulição a cem graus centígrados são as pessoas cinzentas.
Também não gosto por ali além dos que devoram livros do Paulo Coelho no autocarro, os que não sabem se gostam do prato do dia ou do prato que demora uma hora para fazer, dos que não acertam com os perfumes e acham que cheiram maravilhosamente (já me aconteceu também, mea culpa), dos que não opinam nada sobre política, dos que não conseguem perceber o Charlie Brown. E dos que percebem o Calvin&Hobbes (já sei, é um sacrilégio mas nunca me ri. E percebo que o tigre é um ursinho de peluxe).
Não gosto das pessoas que não sabem que sabor escolher para o cone de três bolinhas no Santini, que filme ver no cinema com filas de milhares de espectadores ansiosos por ver o último do Stallone ou o do Kurosawa, dos que não sabem se gostam mais de Chico ou Caetano porque não se podem comparar. Pois não. Claro. Que disparate.
Mas as pessoas cinzentas para mim são uma espécie à parte. Os amorfos, os indecisos, os periclitantes, os lentos, os chatos, os preguiçosos, os dolentes, os de sapatos Bikkembergs e raciocínio Charlot das Amoreiras. Tudo condensado numa densa capa cor-malva escura, cor de tijolo por moldar, cor de rato que não o Mickey.
E como não páro de pensar neste quadro negro / cinzento e não consigo encontrar inspiração na nova colecção da Massimo Dutti, entro na H&M e ligo à Maria.
"Conheces alguém cinzento? Tão cinzentinho que nem se vê na tua parede da sala de estar por entre os Testino e os Mondino?". Ela demora algum tempo a responder (está no Bikram Yoga) mas quando fala faz-me crer que nascemos para envelhecer na mesma casa de repouso em Sintra.
"Se conheço deve ser porque não usa auto-bronzeador. Há um muito bom na Séphora".

terça-feira, 20 de julho de 2010

O Design é um bicho de sete cabeças com um bom Stylist...

A Inês viu a luz. Foi iluminada de repente e intensamente. Teve uma visão. E deve ter sido tão abrupta que me despertou do primeiro sono da noite. Aquele em que ainda pensamos que estamos a seguir o debate político na televisão com atenção (sobre os testes de stress aos bancos) ou metade de um episódio do Glee. Aquele que nos deixa o livro que estamos a ler há semanas ir caindo devagar devagarinho pela borda da cama até se espalhar ao comprido. Ou de contra-capa. A Inês viu a luz, dizia eu. E liga-me para dar essa notícia assim sem mais nem menos. Eu por momentos, e ainda atordoado, penso que se calhar ela se limitou a acender o candeeiro ou que deixou o portátil em modo de poupança de energia. Mas ela desarma-me à primeira. "Se fosse por isso não te ligava às onze da noite, não estou assim tão carente!". Eu concordo. Carente não, louca talvez. E lá me recosto nas almofadas e aconchego os sonhos no remanço do algodão doce. E acho que devo então passar ao desafio seguinte. E pergunto a medo. "E o que é que viste? Era um arco-íris ou um foco direccionado de néon?". E brinco com o assunto. Ela percebe e não acha muita graça.
"Já percebi porque é que o Júlio me ofereceu o espremedor do Philippe Starck". "Ah", digo eu. "Estou a ver". E confesso que começo a pensar em internar a minha pobre e iluminada amiga numa clínica privada de renome. Ou talvez a convença a um auto-exílio na Betty Ford. Assim já posso justificar as minhas próximas viagens aos EUA como apoio domiciliário.
E enquanto a minha cabeça dá o salto para o outro lado do Atlântico onde as estrelas do crepúsculo de Hollywood se reunem e discutem a Kabbalah ao pequeno-almoço, a Inês contra-ataca. Diz que o Júlio se enganou redondamente quando pensou (ingénuo) que ela não percebia a verdadeira intenção do espremedor. Cada vez percebo menos. Tento averiguar a causa e percebo de imediato. Esqueci-me de mais um aniversário. Ora bolas! E desculpo-me com muita manha e um discurso de ocasião. Prometo recompensá-la no próximo ano e escrevo a data num papel. Acho que é uma factura da EDP. Prometo não a reciclar.
E volto ao espremedor. Parece que o Júlio, chefe da Inês há dois anos, decidiu ser original e oferecer-lhe um objecto de Design. Foi o único. Por entre livros do Miguel Sousa Tavares e da Inês Pedrosa e alguns álbuns da Concha Buika e da Lila Downs, por entre perfumes da Chanel e uma bicicleta todo-o-terreno (foi o marido, e sim, é um mistério), no meio de tudo, lá bem no meio e reluzente, estava um espremedor do Philippe Starck.
Percebo o terror. E a dúvida. E a ânsia. E acho que o Júlio perdeu uma excelente profissional.
Porque um cinzeiro do Cabrita Reis ou um martelo com gravuras do Pomar ainda se percebia, agora um espremedor do Starck é um sacrilégio. Um crime de lesa-majestade.
Dou toda a minha razão à minha amiga. E digo-lhe que está na hora dela contactar um Head-Hunter. De voltar a enviar o CV e o Portfolio actualizado. O Júlio não brinca em serviço. E numa única peça de aço inoxidável deu um baile à Inês sem precisar de carta-registada ou aviso prévio. A Inês está perdida. E vai entrar num túnel escuro. É que a minha amiga é alérgica a citrinos desde criança (nem Sugus podia comer) e uma cabeleireira de renome. Sem direito a salão próprio com letreiro em destaque, no entanto. Ou a amostras da Kérastase. E toda a gente sabe que o Philippe Starck está a precisar de um bom corte de cabelo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

As mulheres desconfiam sempre de homens com bigode...

A Maria tem andado preocupada. Diz que não dorme bem e que nem tem tido fome. Fica-se pela salada de rúcula e nem toca no pão. Até aqui nenhuma novidade, penso eu para os meus botões de punho. Mas a preocupação desta vez é séria. De morrer, diz ela. Tão má e tão desesperada que até não tem conseguido ler o livro do Clube da Oprah deste mês. E tão inusitada que a fez perder a conta das cápsulas de Centrum que anda a tomar. No outro dia acha que foram três, confessa. Ao almoço.
Eu, que já conheço os atalhos à casa, não me mostro muito surpreendido com as preocupações da minha amiga alarmada. A Maria sempre se preocupou demais com todos os assuntos. Até com os conflitos entre o Real Madrid e o Barcelona. E com as cheias em Malibu perto da casa do Pierce Brosnan. Desde adolescente que a Maria está preocupada em permanência. Da mesma forma que se usa o mesmo perfume a vida inteira, também se pode viver de preocupações. Pessoais e alheias. A Maria é mesmo assim. Preocupa-se.
Como não pareço muito surpreendido com a revelação, ela volta à carga. Diz que eu nem consigo imaginar o estado em que ela está. E tem estado nas últimas semanas. Se calhar a Carolina Herrera deixou de ter promoções, penso eu. Ou a Karen Millen está em risco de sair da Rua Castilho e passar para Odivelas. Isso sim derrubava a Maria. Ou pode ser que a tenham barrado à porta do Silk e pedido a identificação. Ou não tenham percebido o pedido habitual no Starbucks de Belém. A Maria ficava de rastos, e com razão.
Já curioso, decido perguntar, como quem não pode viver sem a resposta, o motivo da tal preocupação. A Maria diz que nem sabe por onde começar. Diz que fica tão nervosa quando pensa nisso que nem sabe quantas aulas de Pilates marcou para esta semana. Ou quando é que ficou de ir buscar o filho aos tempos-livres do colégio. Acho que o Filipe ainda lá está há uma semana a brincar com o Lego que me lembrei de oferecer no Natal.
Por esta altura até eu estou nervoso. E começo a temer pelo pior. Mas depois tranquilizo-me porque encontro as chaves de casa que achei que tinha perdido.
Ela reclina a cadeira e decide abrir o jogo. "A Catarina tem um novo namorado. E não é de fiar!". Eu torço o nariz e tento perceber a abrangência do comentário. Torno-me indiscreto e quero saber tudo. Confesso que também fiquei surpreendido.
Parece que a Maria encontrou a Catarina na esplanada do Farol de Santa Marta com um tipo novo. Bem parecido, ao que parece. Mas a Maria não se deixa enganar. "Tinha bigode", diz ela. "E bem aparado", continua. Eu mostro-me surpreendido e confesso a minha ignorância sobre o assunto. Não percebo a relação de causa e efeito.
Ela explica em detalhe. E com a mesma paixão que defende a causa dos alfarrabistas de Carcavelos. "Um homem de bigode não é de fiar. Precisa de muito tempo de manhã para se arranjar. E isso eu não posso permitir de forma alguma". Pobre Catarina, vai ter de viver com isso se decidir continuar com a relação. E nunca vai chegar a tempo a nenhuma festa.

domingo, 18 de julho de 2010

O hipnotismo pode causar quebras no consumo ocasional de charutos...

O Zé Eduardo diz que anda a pensar seriamente deixar de fumar. O Zé já disse isto tantas vezes que ninguém liga muito à provocação. Mas ele insiste e diz que é desta. Que já não consegue subir as escadas de três em três degraus no escritório, que já não tem o mesmo ritmo a correr de manhã no paredão de Cascais, que começa a ter falta de ar quando vê debates políticos na BBC.
Eu, que já vivi muito e tenho anos de experiência analítica de discursos sobre boas intenções, desconfio desta vontade férrea de abandonar o vício de uma vez por todas. Ainda por cima o Zé é um fumador social, devo tê-lo visto com um cigarro aceso umas poucas de vezes desde que o conheço. Mas eram sempre da Davidoff, isso lembro-me. Foi assim que passei a usar o Cool Water e não posso deixar de agradecer-lhe.
Mas quanto aos charutos a conversa é outra. E bicuda (ou arredondada conforme a origem Cubana ou Dominicana). O Zé fuma um charuto todos os dias depois do almoço e não há quem aguente. Já nos expulsaram várias vezes de alguns restaurantes de renome (e listas distintas de pratos confeccionáveis) pelo perfume intenso dos Cohibas ou de qualquer outra marca que ele esteja a fumegar. A Maria deixou de vir almoçar connosco porque diz que não se pode permitir a estes escândalos e prefere sair pela porta pequena mesmo antes de entrar. A Isabel esquiva-se a qualquer convite e finge sempre que tem uma casa para decorar na Quinta Patiño nessa tarde. Se fosse a fazer as contas aos supostos projectos da Becas na Quinta Patiño já tínhamos sido os dois adoptados pelo Jacques Grange e limitávamo-nos a ir buscar o pão à padaria e beber Martini Rosso com muito gelo todo o santo dia. Adiante.
A Inês então nem se fala, não pode nem ouvir falar de charutos. Também ninguém a obrigou a casar com um Cubano após 15 dias em Varadero na viagem de finalistas da faculdade.
Então sou eu e o Zé e um bando de empregados e clientes furiosos. É que o Zé fuma charutos da mesma maneira que negoceia ordens de bolsa no Qatar e no Abu Dhabi. Inspira respeito.
Mas agora parece que vamos poder voltar a almoçar todos em paz e com a tranquilidade dos cúmplices silenciosos.  O Zé diz que vai experimentar o hipnotismo. É desta que vai dizer adeus em definitivo à paixão que o consome há muitos anos. Eu encolho os ombros e não faço uma cara muito optimista. Mas sorrio levemente para disfarçar e mexo no cabelo para controlar o riso nervoso e as entradas que já se notam na testa. O Zé já contactou um grande hipnotizador no mercado (farão publicidade directa em jornal ou portal web?) e diz que até quarta-feira tem tudo resolvido. O Zé sempre gostou de magia e uma vez tentou hipnotizar-me com um pêndulo rudimentar. Não sei bem se era um lápis atado numa ponta de uma linha descosida da camisola ou talvez fosse uma borracha já roída pelos apagões a matemática. Tínhamos 11 anos. Nunca conseguiu nenhum resultado prático. Foi nessa ocasião que percebi que era estrábico. Os meus pais agradecem até hoje ao Zé por essa indicação que possibilitou um tratamento eficaz e duradouro .