terça-feira, 20 de julho de 2010

O Design é um bicho de sete cabeças com um bom Stylist...

A Inês viu a luz. Foi iluminada de repente e intensamente. Teve uma visão. E deve ter sido tão abrupta que me despertou do primeiro sono da noite. Aquele em que ainda pensamos que estamos a seguir o debate político na televisão com atenção (sobre os testes de stress aos bancos) ou metade de um episódio do Glee. Aquele que nos deixa o livro que estamos a ler há semanas ir caindo devagar devagarinho pela borda da cama até se espalhar ao comprido. Ou de contra-capa. A Inês viu a luz, dizia eu. E liga-me para dar essa notícia assim sem mais nem menos. Eu por momentos, e ainda atordoado, penso que se calhar ela se limitou a acender o candeeiro ou que deixou o portátil em modo de poupança de energia. Mas ela desarma-me à primeira. "Se fosse por isso não te ligava às onze da noite, não estou assim tão carente!". Eu concordo. Carente não, louca talvez. E lá me recosto nas almofadas e aconchego os sonhos no remanço do algodão doce. E acho que devo então passar ao desafio seguinte. E pergunto a medo. "E o que é que viste? Era um arco-íris ou um foco direccionado de néon?". E brinco com o assunto. Ela percebe e não acha muita graça.
"Já percebi porque é que o Júlio me ofereceu o espremedor do Philippe Starck". "Ah", digo eu. "Estou a ver". E confesso que começo a pensar em internar a minha pobre e iluminada amiga numa clínica privada de renome. Ou talvez a convença a um auto-exílio na Betty Ford. Assim já posso justificar as minhas próximas viagens aos EUA como apoio domiciliário.
E enquanto a minha cabeça dá o salto para o outro lado do Atlântico onde as estrelas do crepúsculo de Hollywood se reunem e discutem a Kabbalah ao pequeno-almoço, a Inês contra-ataca. Diz que o Júlio se enganou redondamente quando pensou (ingénuo) que ela não percebia a verdadeira intenção do espremedor. Cada vez percebo menos. Tento averiguar a causa e percebo de imediato. Esqueci-me de mais um aniversário. Ora bolas! E desculpo-me com muita manha e um discurso de ocasião. Prometo recompensá-la no próximo ano e escrevo a data num papel. Acho que é uma factura da EDP. Prometo não a reciclar.
E volto ao espremedor. Parece que o Júlio, chefe da Inês há dois anos, decidiu ser original e oferecer-lhe um objecto de Design. Foi o único. Por entre livros do Miguel Sousa Tavares e da Inês Pedrosa e alguns álbuns da Concha Buika e da Lila Downs, por entre perfumes da Chanel e uma bicicleta todo-o-terreno (foi o marido, e sim, é um mistério), no meio de tudo, lá bem no meio e reluzente, estava um espremedor do Philippe Starck.
Percebo o terror. E a dúvida. E a ânsia. E acho que o Júlio perdeu uma excelente profissional.
Porque um cinzeiro do Cabrita Reis ou um martelo com gravuras do Pomar ainda se percebia, agora um espremedor do Starck é um sacrilégio. Um crime de lesa-majestade.
Dou toda a minha razão à minha amiga. E digo-lhe que está na hora dela contactar um Head-Hunter. De voltar a enviar o CV e o Portfolio actualizado. O Júlio não brinca em serviço. E numa única peça de aço inoxidável deu um baile à Inês sem precisar de carta-registada ou aviso prévio. A Inês está perdida. E vai entrar num túnel escuro. É que a minha amiga é alérgica a citrinos desde criança (nem Sugus podia comer) e uma cabeleireira de renome. Sem direito a salão próprio com letreiro em destaque, no entanto. Ou a amostras da Kérastase. E toda a gente sabe que o Philippe Starck está a precisar de um bom corte de cabelo.

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