A Maria tem andado preocupada. Diz que não dorme bem e que nem tem tido fome. Fica-se pela salada de rúcula e nem toca no pão. Até aqui nenhuma novidade, penso eu para os meus botões de punho. Mas a preocupação desta vez é séria. De morrer, diz ela. Tão má e tão desesperada que até não tem conseguido ler o livro do Clube da Oprah deste mês. E tão inusitada que a fez perder a conta das cápsulas de Centrum que anda a tomar. No outro dia acha que foram três, confessa. Ao almoço.
Eu, que já conheço os atalhos à casa, não me mostro muito surpreendido com as preocupações da minha amiga alarmada. A Maria sempre se preocupou demais com todos os assuntos. Até com os conflitos entre o Real Madrid e o Barcelona. E com as cheias em Malibu perto da casa do Pierce Brosnan. Desde adolescente que a Maria está preocupada em permanência. Da mesma forma que se usa o mesmo perfume a vida inteira, também se pode viver de preocupações. Pessoais e alheias. A Maria é mesmo assim. Preocupa-se.
Como não pareço muito surpreendido com a revelação, ela volta à carga. Diz que eu nem consigo imaginar o estado em que ela está. E tem estado nas últimas semanas. Se calhar a Carolina Herrera deixou de ter promoções, penso eu. Ou a Karen Millen está em risco de sair da Rua Castilho e passar para Odivelas. Isso sim derrubava a Maria. Ou pode ser que a tenham barrado à porta do Silk e pedido a identificação. Ou não tenham percebido o pedido habitual no Starbucks de Belém. A Maria ficava de rastos, e com razão.
Já curioso, decido perguntar, como quem não pode viver sem a resposta, o motivo da tal preocupação. A Maria diz que nem sabe por onde começar. Diz que fica tão nervosa quando pensa nisso que nem sabe quantas aulas de Pilates marcou para esta semana. Ou quando é que ficou de ir buscar o filho aos tempos-livres do colégio. Acho que o Filipe ainda lá está há uma semana a brincar com o Lego que me lembrei de oferecer no Natal.
Por esta altura até eu estou nervoso. E começo a temer pelo pior. Mas depois tranquilizo-me porque encontro as chaves de casa que achei que tinha perdido.
Ela reclina a cadeira e decide abrir o jogo. "A Catarina tem um novo namorado. E não é de fiar!". Eu torço o nariz e tento perceber a abrangência do comentário. Torno-me indiscreto e quero saber tudo. Confesso que também fiquei surpreendido.
Parece que a Maria encontrou a Catarina na esplanada do Farol de Santa Marta com um tipo novo. Bem parecido, ao que parece. Mas a Maria não se deixa enganar. "Tinha bigode", diz ela. "E bem aparado", continua. Eu mostro-me surpreendido e confesso a minha ignorância sobre o assunto. Não percebo a relação de causa e efeito.
Ela explica em detalhe. E com a mesma paixão que defende a causa dos alfarrabistas de Carcavelos. "Um homem de bigode não é de fiar. Precisa de muito tempo de manhã para se arranjar. E isso eu não posso permitir de forma alguma". Pobre Catarina, vai ter de viver com isso se decidir continuar com a relação. E nunca vai chegar a tempo a nenhuma festa.
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