Bloguista acidental que não acidentado (ninguém se feriu durante a criação do perfil e conta associada). Pequenas histórias de um quotidiano cheio de surpresas ao virar da esquina. Prémio Pulitzer de escrita criativa durante os últimos dez anos, sem excepção. Recomendado por milhares de escritores e críticos de Kuala Lumpur a Montevideo. Temido por alguns grupos de pressão. Talvez exagere.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Zulmira Miranda. Nome de guerra Zázá Midas....
A Zázá sempre foi uma miúda original. Nasceu Zulmira Catarina Pereira Miranda em Penacova no meio de uma serra devastada pelo fogo mas cedo se tornou num alvo fácil para as tendências da moda Belga e Japonesa dos anos 80. A Zázá desde rapariga que sempre soube o que queria fazer quando fosse grande. Estilista. Em pequena dizia "estiuista" com grande entusiasmo (e algum gaguejo balbuciante) às professoras do colégio que achavam que ela tinha um parafuso a menos e insistiam para que ela seguisse uma carreira tradicional na medicina dentária ou no sector bancário como secretária da administração. Sim Sr. Doutor, não Sr. Engenheiro. Mas a Zázá fazia-se desentendida perante a estranheza das freiras açoreanas e tinha o caminho traçado sem obstáculos ou barreiras visíveis no seu horizonte de metro e meio de inocência. Usava uma bandana colorida da Cenoura de manhã à noite, várias pulseiras até ao ante-braço e fazia tatuagens com os cromos da Panini. Um cromo de vanguarda, portanto. Quando tinha 12 anos no primeiro ciclo decidiu pintar o cabelo com uma tinta da Barbie Cabeleireira cor-de-rosa e andou três semanas com um penacho tipo Nina Hagen na Leipzig Punk-Rock antes da queda do muro. Os pais detestaram mas ela adorava ser reconhecida como a ninfa Troll da floresta de Trondheim. Sem nunca ter ido à Noruega, no entanto. Aos 18 anos começou a trabalhar em part-time numa loja de discos de vinil na Calçada do Carmo e decidiu ali mesmo, e no primeiro dia de trabalho, que passava a vestir unicamente Yamamoto combinado com blusas brancas da Feira de Carcavelos. Mesmo que tivesse de comer croquetes os dias todos. Ou salada de feijão-frade que a mãe enviava de Penacova aos Domingos. Uma estilista nada elitista, portanto. E impulsionadora da dieta dos hidratos-de-carbono. Depois da experiência na loja de discos passou para a Pull&Bear do Chiado com enorme sucesso como vitrinista. A Zázá criava montras como ninguém e atraía dezenas de pessoas atentas à moda de rua espanhola que começava a invadir Lisboa. E o imaginário dos adolescentes orfãos da Porfírios. A Zázá começou a ser conhecida no meio e a fazer trabalhos à socapa para algumas revistas de tendências alternativas. Desses tempos ficaram célebres os seus trabalhos mais espectaculares como o "Carmen Miranda goes to Colombo", "Ava Gardner está viva e recomenda-se numa casa de campo em Sintra", e o agora famoso e muito copiado "Fred Astaire is still dancing at the Feira Popular". A Zázá começou também a ter uma reputação extraordinária em Berlim, Paris e Londres, chegando mesmo a ganhar prémios em Antuérpia como "alfinetada do ano" em termos de Styling. A Zázá dava cursos, fazia workshops criativos, passou a falar para audiências vastas e ávidas do seu conhecimento. Uma estilista de renome e de futuro glorioso e promissor. De Bangkok a Xangai, do Rio de Janeiro a Santiago do Chile. A cereja no topo do bolo veio quando foi convidada para editar, em termos de estilismo de vanguarda, uma revista no Japão com a Anna dello Russo. A Zázá partiu para Tokyo com a sua saia em viés Yamamoto, sapato com laço de bailarina H&M, top em renda Feira de Chocalhos no Ribatejo e arrasou no Japão. Penso até que criaram uma Zázá Doll que se vende nas melhores lojas de Takeshita-Dori e Aoyama. A Zázá passou a ser uma estrela internacional que beijava um dia na bochecha o Mario Testino e na testa a Grace Coddington. Na boca só o Mario Sorrenti mas com alguma dificuldade devido ao aparelho saliente nos dentes. Uma estilista de renome. Uma estilista de respeito. Uma estilista de Penacova. Zulmira Miranda. Uma mulher com toque de Midas.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
O regresso do sapato de berloque...
O Zé Eduardo diz que está desesperadamente a precisar de comprar sapatos novos. Como está apenas desesperado por um bom par de sapatos e não loucamente à procura da Susana como a Madonna em início de carreira em NYC, acedo a ouvir as suas ladaínhas habituais e histórias rocambulescas sem final feliz. Que os sapatos agora já não duram nada, que já não há bons profissionais do calçado, que ninguém aqui replica um bom Berluti ou um excelente Ferragamo como em Paris ou Florença. Talvez mesmo Beirute. O meu amigo até tem razão. Os sapatos para homem deixaram de ser um bem de excelência para ser um bem para quem tem excelentes recursos. Eu, que sou um extraordinário comprador compulsivo de sapatos na Massimo Dutti em saldos (5 modelos todos iguais no último mês e remate final) ainda tento demover o meu amigo de tentar formar o partido político dos Sapatistas qual Frida Khalo ou Diego Rivera em final de carreira e acamados na Cidade do México.
Mas o Zé não se deixa convencer e diz que precisa da minha ajuda para escolher uns novos pares para a estação outononal que se aproxima (e nunca mais chega!).
O Zé é muito engraçado porque desde miúdo adora pedir-me conselhos para depois fazer exactamente o contrário do que eu digo. Como naquela vez na escola em que não sabia se havia de copiar o meu teste de química ou não e me pediu um conselho de amigo do peito. Quase irmão. Eu até o deixava copiar à vontade como sempre mas ele demorou-se tanto tempo a decidir que a professora deu-lhe um puxão de orelhas por ele estar a falar para o ar. Ou quando não sabia se ia para o rugby ou para o pólo aquático. Eu achei que ele dava um óptimo Gergély Kiss em Budapeste e ele decidiu ser um excelente Jonny Wilkinson em Twickenham. E também naquela ocasião em que não sabia com qual das três namoradas terminar a relação e eu o aconselhei a fazê-lo com duas, pelo menos. Ele juntou-lhe mais uma Sueca de férias em S. Martinho do Porto e a filha da empregada dos avós e ficou com cinco bigamias concentradas num refrão repetitivo do Aznavour durante todo o Verão. E ainda aquela vez em que não sabia o que oferecer à Sílvia no aniversário de casamento e foi contrário à minha ideia de uma saia negra da Lanvin e avançou com a compra de um cão. Ainda por cima incontinente desde cachorro e que larga pêlo por todo o lado e só gosta de soupa de abóbora. Daí o nome (Soupas, não Abobrinha).
Enfim, o meu amigo não se presta muito a conselhos. Mais a distritais e capitais de concelho no CDS-PP. Mas desta vez eu jurei que iria ser diferente e lá fui com ele para a Rosa&Teixeira fazer figura de candeeeiro (giro mas pouco útil num corte de luz generalizado). E ele até se esforçou. Calçou um bom par de Tod´s castanhos, uns negros do Zegna, uns cinzentos-rato do Bikkembergs. Eu estava tão contente com o progresso que nem me apercebi dos preços de cada um. Pelas minhas contas dava para pagar a sola em 12 suaves prestações de uns mocassins da Prada com o meu salário. Talvez só mesmo os berloques dos Church. Porque foram esses (que eu detestei) que o Zé escolheu em três cores diferentes no mesmo modelo. Os berloques eram os mesmos, no entanto. O Zé agradeceu imenso a minha presença e conselho e ofereceu-me um par também em castanho-mel. Eu quando vi os berloques nem queria acreditar. O Zé voltou aos anos 90 quando estava na Católica e cantava (muito desafinado mas altivo e feliz) no coro de Santo Amaro de Oeiras. E namorava com 7 raparigas de Algès a Cascais. E era campeão de rugby. E de salto à vara (um mistério). Ocasionalmente de canoagem a nível regional. Ele diz que os berloques estão de volta. E que é um prazer voltar à juventude. E de voltar a sentir que algo se mexe no corpo. Mesmo que seja só um berloque com franjas.
Mas o Zé não se deixa convencer e diz que precisa da minha ajuda para escolher uns novos pares para a estação outononal que se aproxima (e nunca mais chega!).
O Zé é muito engraçado porque desde miúdo adora pedir-me conselhos para depois fazer exactamente o contrário do que eu digo. Como naquela vez na escola em que não sabia se havia de copiar o meu teste de química ou não e me pediu um conselho de amigo do peito. Quase irmão. Eu até o deixava copiar à vontade como sempre mas ele demorou-se tanto tempo a decidir que a professora deu-lhe um puxão de orelhas por ele estar a falar para o ar. Ou quando não sabia se ia para o rugby ou para o pólo aquático. Eu achei que ele dava um óptimo Gergély Kiss em Budapeste e ele decidiu ser um excelente Jonny Wilkinson em Twickenham. E também naquela ocasião em que não sabia com qual das três namoradas terminar a relação e eu o aconselhei a fazê-lo com duas, pelo menos. Ele juntou-lhe mais uma Sueca de férias em S. Martinho do Porto e a filha da empregada dos avós e ficou com cinco bigamias concentradas num refrão repetitivo do Aznavour durante todo o Verão. E ainda aquela vez em que não sabia o que oferecer à Sílvia no aniversário de casamento e foi contrário à minha ideia de uma saia negra da Lanvin e avançou com a compra de um cão. Ainda por cima incontinente desde cachorro e que larga pêlo por todo o lado e só gosta de soupa de abóbora. Daí o nome (Soupas, não Abobrinha).
Enfim, o meu amigo não se presta muito a conselhos. Mais a distritais e capitais de concelho no CDS-PP. Mas desta vez eu jurei que iria ser diferente e lá fui com ele para a Rosa&Teixeira fazer figura de candeeeiro (giro mas pouco útil num corte de luz generalizado). E ele até se esforçou. Calçou um bom par de Tod´s castanhos, uns negros do Zegna, uns cinzentos-rato do Bikkembergs. Eu estava tão contente com o progresso que nem me apercebi dos preços de cada um. Pelas minhas contas dava para pagar a sola em 12 suaves prestações de uns mocassins da Prada com o meu salário. Talvez só mesmo os berloques dos Church. Porque foram esses (que eu detestei) que o Zé escolheu em três cores diferentes no mesmo modelo. Os berloques eram os mesmos, no entanto. O Zé agradeceu imenso a minha presença e conselho e ofereceu-me um par também em castanho-mel. Eu quando vi os berloques nem queria acreditar. O Zé voltou aos anos 90 quando estava na Católica e cantava (muito desafinado mas altivo e feliz) no coro de Santo Amaro de Oeiras. E namorava com 7 raparigas de Algès a Cascais. E era campeão de rugby. E de salto à vara (um mistério). Ocasionalmente de canoagem a nível regional. Ele diz que os berloques estão de volta. E que é um prazer voltar à juventude. E de voltar a sentir que algo se mexe no corpo. Mesmo que seja só um berloque com franjas.
domingo, 22 de agosto de 2010
Lavados em lágrimas...
Há momentos para tudo na vida. Para aprender a andar de bicicleta, cair vinte vezes no mesmo sítio e desejar nunca ter deixado as rodinhas na arrecadação, aprender a gostar de chá verde servido bem frio (vou lá chegar brevemente), aprender a gostar de rebuçados de funcho da Madeira, aprender a gostar de cortar o cabelo (já estive mais longe). E também há momentos para ensinar alguma coisa a alguém. A ver bons filmes numa tarde chuvosa no Inverno, a ler os livros da Marguerite Yourcenar de uma assentada, a querer sempre mais bolo de chocolate da avó. E depois também há pessoas para cada momento de aprendizagem e ensino. E para cada memória especial e electiva. Os miúdos regilas que nos davam socos no colégio sem motivo aparente e fugiam a correr e a gritar, os miúdos sonsos que respondiam sempre a tudo sem precisar de levantar a mão, os miúdos preferidos da professora pelo simples facto de serem interesseiros e lambe-botas, as miúdas com laços ridículos sempre impecáveis. E os miúdos, e miúdas, estranhos para a maioria dos outros miúdos. Os que adoravam matemática, os que adoravam ginástica-rítmica com ou sem adereços, os que adoravam estar sozinhos no recreio. E os que não tinham uma descrição fácil mas causavam estranheza imediata. Esses eram os meus preferidos. Nada a estranhar para um miúdo que adorava ter tido cabelo ruivo e ter sido muito sardento em criança. A Rosie era a minha amiga preferida no colégio porque era um extra-terrestre. Mas um extra-terrestre bonzinho e muito divertido de uma galáxia não muito distante da minha e que sabia pilotar uma nave espacial como ninguém. Era uma rapariga totalmente desengonçada com a bata sempre suja e rota e com os dedos cheios de rabiscos de lápis e canetas de feltro tipo artista boémia em Montparnasse na Paris dos anos 20. Uma rapariga algo Ana Vidigal, portanto. Eu adorava a Rosie só pelo facto de ela falar muito pouco e ter um riso totalmente idiota e descontrolado. E por ter um termo amarelo-torrado com as melhores batatas fritas do colégio (que sabiam a arroz de cabidela, curiosamente). E por gostar de sumo de pêra das latas da Compal como eu. E por trazer sempre bolachas de manteiga que a mãe fazia em casa num forno que os avós tinham trazido de Bruxelas depois da Segunda-Guerra mundial (que eu achava que tinha sido há muito muito tempo algures por Frankfurt). A Rosie tinha pai Belga e mãe Inglesa e a única costela (ou costeleta como eu dizia devido a uma estranho caso de dislexia verbal) Portuguesa era do avô paterno que se chamava Antero Eurico do Santo Cúria. Um avô reaccionário que tinha lutado contra o Franco (que era o nome do meu boneco preferido dos Estrunfes) em Espanha no cerco a Barcelona (que eu achava que era ao lado da Graça ou da Madragoa) e que tinha uma pála num olho que nos metia muito medo. A Rosie era assim o meu livro de aventuras pessoal sem sair da saula de aula. Era uma miúda solitária que adorava desenhar nas paredes das casas de banho uns bonecos estranhíssimos que ninguém entendia e que adorava resolver problemas. Obviamente que a nossa professora a detestava e a achava uma maria-rapaz que tinha de ser moldada a mão-de-ferro. Um dia, quando toda a gente estava a apresentar os trabalhos de casa e ninguém tinha conseguido resolver a questão de quantas galinhas tinham ficado num cesto de um qualquer agricultor do Redondo, a Rosie deu a resposta certa e a professora deu-lhe uma bofetada. Achou que ela se estava a armar em esperta e decidiu puni-la da única forma que uma freira frustrada Açoreana da Fajã de São Francisco sabia. À pancada. Eu, que nunca me tinha manifestado na vida, decidi no momento que as coisas não ficavam assim e que alguém tinha de clamar por justiça. Gritei um nome feio à freira da Fajã e dei-lhe uma canelada valente por debaixo da batina. Obviamente que apanhei por tabela e fomos os dois ver a Madre-Superiora que nos mandou rezear trezentas Avé-Maria e quinze terços inteiros (não era muito boa a matemática). Mas valeu a pena. A partir daí eu e a Rosie tornámo-nos inseparáveis e passámos a dar caneladas em conjunto. Isso e conselhos sobre como resolver problemas de galinhas e patos no Alentejo pós-reforma agrária por cinco tostões ou um iogurte da Yoplait aos outros miúdos. Víamos os mesmos programas na televisão (saudosos Gummy Bears e Ana dos Cabelos Ruivos), ríamo-nos das mesmas piadas e gostávamos da mesma música. Anos mais tarde até partilhámos o mesmo LP dos A-HA que repetíamos vezes sem conta no gira-discos. Até hoje. Irmãos de sangue em versão vampira familiar com um bom argumento do Allan Ball. E é por isto que quando a vejo no aeroporto com um marido de 2 metros jogador de Rugby da Nova-Zelândia que a ama incondicionalmente, 2 filhos adoráveis (um ruivo e muito sardento), uma tatuagem Maori no pulso e um sorriso do tamanho de Auckland me ponho a chorar. Há momentos para tudo na vida. Este é para chorar de alegria por reencontrar quem nos faz feliz desde sempre.
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