O Zé Eduardo diz que anda a pensar seriamente deixar de fumar. O Zé já disse isto tantas vezes que ninguém liga muito à provocação. Mas ele insiste e diz que é desta. Que já não consegue subir as escadas de três em três degraus no escritório, que já não tem o mesmo ritmo a correr de manhã no paredão de Cascais, que começa a ter falta de ar quando vê debates políticos na BBC.
Eu, que já vivi muito e tenho anos de experiência analítica de discursos sobre boas intenções, desconfio desta vontade férrea de abandonar o vício de uma vez por todas. Ainda por cima o Zé é um fumador social, devo tê-lo visto com um cigarro aceso umas poucas de vezes desde que o conheço. Mas eram sempre da Davidoff, isso lembro-me. Foi assim que passei a usar o Cool Water e não posso deixar de agradecer-lhe.
Mas quanto aos charutos a conversa é outra. E bicuda (ou arredondada conforme a origem Cubana ou Dominicana). O Zé fuma um charuto todos os dias depois do almoço e não há quem aguente. Já nos expulsaram várias vezes de alguns restaurantes de renome (e listas distintas de pratos confeccionáveis) pelo perfume intenso dos Cohibas ou de qualquer outra marca que ele esteja a fumegar. A Maria deixou de vir almoçar connosco porque diz que não se pode permitir a estes escândalos e prefere sair pela porta pequena mesmo antes de entrar. A Isabel esquiva-se a qualquer convite e finge sempre que tem uma casa para decorar na Quinta Patiño nessa tarde. Se fosse a fazer as contas aos supostos projectos da Becas na Quinta Patiño já tínhamos sido os dois adoptados pelo Jacques Grange e limitávamo-nos a ir buscar o pão à padaria e beber Martini Rosso com muito gelo todo o santo dia. Adiante.
A Inês então nem se fala, não pode nem ouvir falar de charutos. Também ninguém a obrigou a casar com um Cubano após 15 dias em Varadero na viagem de finalistas da faculdade.
Então sou eu e o Zé e um bando de empregados e clientes furiosos. É que o Zé fuma charutos da mesma maneira que negoceia ordens de bolsa no Qatar e no Abu Dhabi. Inspira respeito.
Mas agora parece que vamos poder voltar a almoçar todos em paz e com a tranquilidade dos cúmplices silenciosos. O Zé diz que vai experimentar o hipnotismo. É desta que vai dizer adeus em definitivo à paixão que o consome há muitos anos. Eu encolho os ombros e não faço uma cara muito optimista. Mas sorrio levemente para disfarçar e mexo no cabelo para controlar o riso nervoso e as entradas que já se notam na testa. O Zé já contactou um grande hipnotizador no mercado (farão publicidade directa em jornal ou portal web?) e diz que até quarta-feira tem tudo resolvido. O Zé sempre gostou de magia e uma vez tentou hipnotizar-me com um pêndulo rudimentar. Não sei bem se era um lápis atado numa ponta de uma linha descosida da camisola ou talvez fosse uma borracha já roída pelos apagões a matemática. Tínhamos 11 anos. Nunca conseguiu nenhum resultado prático. Foi nessa ocasião que percebi que era estrábico. Os meus pais agradecem até hoje ao Zé por essa indicação que possibilitou um tratamento eficaz e duradouro .
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