A minha tia Mimi é como um bom pêssego em calda. Agrega sempre qualquer coisa de deliciosamente inesperado a uma receita sobejamente conhecida. É por essa razão que em finanças a minha tia é imbatível. Conselhos para investir na bolsa, metodologias de aplicação de fundos em mercados emergentes, cálculos de divisas cruzados, é com ela que têm que falar. Claro que a minha tia não tem nenhum curso de gestão ou economia aplicada (talvez estatística por correspondência), e acha que o ISCTE é uma sigla para identificar movimentos comunistas na Eslováquia. Do ISEG nem vou falar porque é óbvio e sobejamente conhecido que representa grupos de pressão do Paul Krugman em disfarçe operativo.
Mas a minha tia tem jogo de cintura e trabalha bem com a calculadora. Já quando era criança ficava babado com tanta inteligência e sabedoria. A minha tia sabia o nome de todos os amigos do Tom Sawyer e a verdadeira razão porque ocorreu a célebre discussão entre ele e o Huckelberry Finn. Queriam ambos utilizar o dinheiro que estava no mealheiro e toda a gente sabe que basta um para partir o porquinho, dizia ela. Tratou-se por isso do primeiro exercício de economia de escala. Em miniatura.
A minha tia via também mensagens subliminares nos Marretas. Especialmente no urso Fozzie (cantor e entertainer que não ia a lado nenhum e vivia seguramente de subsídios estatais), e também na Rua Sésamo (o monstro das bolachas não sabia poupar e comia tudo de boca aberta). Enfim, uma infância passada à frente da televisão com a minha tia Mimi foi uma verdadeira e eficaz lição de vida. E uma lição que se mantem no presente como num cofre da UBS. Deve ser por isso que ainda hoje vemos alguns programas juntos depois dos jantares à Quarta-Feira. A única coisa que não compartimos é o gosto pelos apresentadores. O coração da Mimi bate pelo Jay Leno e o meu pelo Jimmy Fallon. Será que posso perdoar tamanha injustiça? A Mimi também gosta da Tyra Banks mas nenhum de nós percebe a Ellen. Deve ser muito avançado porque mudamos sempre para o National Geographic.
Mas a Mimi diz que nos últimos tempos há certas coisas que não percebe mesmo. E como gosta de opinar com conhecimento de causa pede a minha opinião letrada.
Diz que está a ler o "Snowball Effectt" do Warren Buffett e não percebe porque é que o livro se tornou num Best-Seller instantâneo de Kathmandu a Nairobi. Eu, a medo, digo que o livro não é de pacote e não vem em pó, mas ela não percebe a piada. Isto é sério.
Tento pensar numa explicação válida para explicar a ascensão fulgurante da nova bíblia dos investidores mas ela não vai na canção de embalar (ou eu tenho uma péssima voz para cantar-adeus casting para os Ídolos). Diz que o que não entende é como é que o Warren Buffett chegou onde chegou com falinhas mansas. Qual é o génio? Qual é a função? What´s the point?
A minha tia é muito metódica e isto vai durar algum tempo. Reformulo o meu discurso e aplico uma lição moral. Explico que o senhor tem uma fundação filantrópica com o Bill e a Melinda Gates e que está a doar parte substancial da fortuna para projectos de desenvolvimento sócio-económico em África. É um bom homem. Repleto de boas intenções. A minha tia deixa-me acabar o discurso e dispara à primeira. "Isso é para fugir aos impostos. As leis de mecenato e dotação orçamental para despesas de inter-ajuda comunitária estão isentas nos EUA. E revertem a favor em 65% para as empresas que as promovem". A minha tia é um génio. Deve ser por isso que quanto mais o Warren dá, mais rico fica. Tudo explicado. A minha tia devia ser colunista do Les Echos ou do NY Times. Pena que pense que o último é uma sigla para identificar o boletim meteorológico.
Bloguista acidental que não acidentado (ninguém se feriu durante a criação do perfil e conta associada). Pequenas histórias de um quotidiano cheio de surpresas ao virar da esquina. Prémio Pulitzer de escrita criativa durante os últimos dez anos, sem excepção. Recomendado por milhares de escritores e críticos de Kuala Lumpur a Montevideo. Temido por alguns grupos de pressão. Talvez exagere.
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John, já consideraste prosseguir carreira como copywriter? Tens todo o potencial. Consegues transformar histórias banais em autênticos acontecimentos que nos prendem em pormenores e referências! :)
ResponderEliminarKate! Thank You!
ResponderEliminarSe tiveres uma proposta de 5.000 Euros por mês, pagamento da hipoteca da casa e passe social da Carris / Metro posso considerar essa opção. Preciso também de uma avença mensal na FNAC e na loja de revistas dos Restauradores. E uma mesada para lanches na Versailles e no Café Austríaco do Chiado. Penso que é tudo. Também estava a precisar de uns sapatos mas pode ser só no Natal.
O Terre da Hermès ainda tem uns 15 ML, pode ser que dure se só fizer um Spray de manhã...