Estou a tentar ligar há dois dias para o Zé Eduardo sem sucesso. Sem voz do outro lado da linha. Sem sinal. Sem necessidade. O Zé tem passado uma semana difícil no trabalho e deixou o telemóvel com a secretária. A secretária é eficiente e metódica mas não ajuda muito. Diz que ele não está. Que não pode atender. Que saiu para almoçar, que está em reunião. Que está no WC. Que está no trânsito numa zona sem rede da Vodafone. "Ah, mas o telefone dele é da TMN", asseguro eu. "Agora já não, tem as três redes associadas. E a UZO também desde o mês passado. "Ah, deve estar no Triângulo das Bermudas. Ali para o lado de Barcarena". Ela não percebe muito bem e pergunta se eu quero deixar recado. E pergunta também se já enviei uma mensagem para o Blackberry. "Não sei, posso enviar por SMS?". Ela fica chocada e diz que a linha está com interferências. Desliga na minha cara. Nunca gostei da rapariga. Vou então tentar o Blackberry, penso eu. E começo a escrever uma mensagem. Quando chego à fase final do " LIGA-ME URGENTE!" carrego na tecla de enviar. O telefone indica várias opções e decido-me pela "como mensagem escrita". Depois hesito e escolho "por email". A mensagem segue. E nada. Ora bolas, devo ter enviado para o SPAM do Google, penso eu. Para o ciberespaço da desilusão. Para o buraco negro da existência digital. Devo ter mandado para o boneco. E é neste momento de pura filosofia de Kierkegaard que me ponho a pensar no assunto. E tanto me debruço sobre a questão que a minha vizinha pensa que eu vou saltar pela janela.
Mas desde quando é que toda a gente que interessa e sem a qual não podemos viver (amigos, amantes,electricistas, contabilistas no final do ano) deixou de estar disponível?
Parece que de repente toda a gente tem uma agenda com os compromissos da Hillary Clinton ou do CEO do Citigroup e nunca nos pode atender ou receber. Ora estão num almoço importantíssimo, ora estão no baptizado do filho, ora estão na praia do Ancão, ora estão na discoteca e não se ouve nada. Ora estão também numa manifestação. Política. Pela falência dos Porfírios na Baixa. Raios e coriscos (que saudades de boa televisão). Parece que hoje em dia ninguém pode atender. Têm todos milhares de coisas para fazer e nunca é connosco. Temos de marcar almoços com três meses de antecedência, apresentações com seis meses de pré-aviso, reuniões com um ano de risco sério de naufrágio. Desconfio sempre destas pessoas e das suas agendas a abarrotar. Ou do Blackberry que vai avisando dos compromissos. Acho que isto é tudo estratégia. Vou fazer-me difícil porque sou muito bom. Porque sou o melhor, porque sou indispensável. Deve ser por isso que depois os encontramos no Santini a comer um cone de cinco bolinhas quando deveriam estar a finalizar o orçamento para 2011. Tanto trabalho para nada.
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