sábado, 7 de agosto de 2010

O futuro pode ser muito complicado. E algo imprevisível...

A Inês diz que precisa de saber o que vai acontecer daqui para a frente. De averiguar o que se vai passar na próxima semana. O que vai ocorrer no próximo mês. O que vai estar a dar no próximo ano. Enfim, a Inês precisa de ir à bruxa. Ela não gosta desta expressão e diz que prefere dizer a toda a gente que vai consultar um oráculo. Uma vidente. Um mestre na arte visionária da bola-de-cristal. A Inês é aquela rapariga que na lua-de-mel em Salvador da Bahia foi ver uma mãe-de-santo e pensou que a pobre senhora queria jogar com ela ao dominó quando lhe perguntou se "queria lançar búzios". Uma rapariga inocente e didáctica, portanto. Deve ser por isso que me liga a perguntar se eu conheço alguém de confiança. Nada de especialistas de vão de escada ou tarot do Monopólio, diz ela. Eu tento lembrar-me dos vários professores e mestres africanos do Rossio que dão consultas 24 horas por dia e também atendem ao telefone mas ela quer algo mais discreto. Sem telefone ou turbante na cabeça. Um místico Prada, seguramente. Eu digo que a Maria gosta muito da D. Luisinha dos Espíritos no Magoito e ela aprecia o nome e local discreto. Ligo para a Maria a pedir o número de telefone e quando digo que é para a Inês a Maria avisa logo que a D. Luisinha é muito cara e que não dá consultas às quartas-feiras. Como é o único dia em que a Inês consegue sair do SPA / Beauty Center onde está agora a coordenar a área VIP, temos de inventar uma desculpa. A Inês vai trabalhar na terça-feira e começa a espirrar para todo o lado e a dizer que está com o vírus do Nilo. A dona do SPA, que odeia o Egipto e detesta papiros e múmias, manda-a para casa recambiada com três testers da Shiseido e duas toalhas turcas banhadas em água benta da piscina. E na quarta-feira logo pela manhã lá vamos nós conhecer a D. Luisinha dos Espíritos ao Magoito. A Inês diz que não se sabe orientar bem nesta região sem GPS mas após três horas e de várias manobras perigosas lá encontramos a vivenda com jardim e pomar de laranjeiras, tal como um pastor alemão que deve ser também espírita porque quando vê a Inês foge a sete patas sem ladrar. A D. Luisinha tem uma secretária catita que nos recebe sob o pseudónimo de D. Ermelinda Espanta-Pássaros e nos faz aguardar numa salinha com duas cadeiras, uma fotografia do Diego Maradona e um poster do Pastilhas Futebol Clube com a legenda "Figo, volta a ser maduro e não gostes de Kuduru". A Inês fica impressionada pela qualidade visual da sala e começa a folhear as revistas na mesinha de apoio. Temos duas Hola de 1987, uma Nova Gente de 92 e um catálogo da Gulbenkian de 2002. A D. Luisinha pode ser bruxa, mas é muito eclética. A D. Ermelinda entra na sala e manda-nos passar para o estúdio espírita da patroa. Mal entramos damos de caras com uma senhora diminuta vestida de grená e com uma bandana na cabeça com dois pirilampos mágicos (um da campanha de 89 e outro da de 95). Uma bruxa solidária também e algo vintage. Aprovo de imediato. A D. Luisinha manda-nos sentar e pede para tocar na mão da Inês. Mal se tocam a D. Luisinha emite um grito gutural e diz que a Inês está carregada. A Inês diz que até nem tem muito peso na mala e que os sapatos da H&M da colecção Cruise 09/10 são muito leves. A D. Luisinha não percebe a versão fashionista da minha amiga e começa a fazer perguntas. Se a Inês sabe que a irmã traiu o marido com o último namorado dela uma vez no Meco (já sabíamos e apoiamos), se a Inês sabe que o pai tem muito dinheiro escondido num balde enterrado na propriedade no Ribatejo (não sabíamos mas vamos averiguar de imediato), se ela sabe que a melhor amiga dela no SPA é transformista nas férias de Verão em Helsínquia (já desconfiávamos), se ela se apercebeu que o actual namorado nunca vai passar de número dois no ranking dos lutadores de Muay Thai do Restelo (que pena, tínhamos esperanças). Mas a D. Luisinha prega-nos um susto quando diz que a Inês tem de se preparar para o pior. Para uma grande desgraça. Para um surto de má sorte. E diz também que vem aí uma vaga de mau olhado  (e não estrabismo como no meu caso em criança) lá no trabalho no SPA e nas férias em Vilamoura neste Verão com a família do namorado. Eu começo a temer pelo pior e até tremo. A Inês começa a ficar branca e a pensar em desgraças. Inundações, doenças, fogos no guarda-roupa, sapatos que se estragam na primeira noite no Frágil, congestões com gelados na praia, dores de barriga no cinema a ver o último filme do Tom Cruise. A D. Luisinha olha fixamente para nós e diz muito séria que desta vez é barra pesada. Que temos de nos preparar. Que temos de comprar víveres para dias complicados. A D. Luisinha pega na mão da Inês e diz num tom muito compenetrado e místico: "Este ano vai receber uma carta registada das Finanças e tem 356 Euros para pagar de IRS". A Inês solta um grito e agarra-se a mim. Abre a mala e tira um carta toda dobrada. É das Finanças e já está sem o picotado. Passa-a para a minha mão e diz-me para eu a ler. A D. Luisinha tem razão e vale o dinheiro que lhe pagamos sem recibo. A Inês vai ter de ir ao Multibanco fazer a transferência até amanhã sem falta dos 356 Euros. Eu não acredito em bruxas mas que as há, e financeiramente responsáveis, isso é que as há. No Magoito.

1 comentário:

  1. esta é provavelmente a minha preferida. acho muito bom como desenvolves os teus enredos cheios de pormenores e como descreves a nossa sociedade. muito bom mesmo.

    "um místico Prada" está o máximo!

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