quarta-feira, 14 de julho de 2010

O 44 não é um autocarro qualquer...

Recomposto de um almoço surreal mas divertido com duas trintonas enxutíssimas que desta vez não se pegaram como duas atracções do Circo Chen, vou de imediato ter com o Zé Eduardo para um café vespertino à espera de notícias frescas.
É um hábito ancestral vermo-nos todas as semanas por poucos mas bons minutos no Open Space de um palácio ocre na Bica e trocarmos algumas ideias sobre "O" assunto.
Esta semana o Zé Eduardo acha que temos de discutir em cinco minutos se avançamos ou não com a compra de mais uma empresa em Macau.
O Zé fala sempre de decisões conjuntas mas eu não sou quadro da empresa e muito menos me pagam para emitir opiniões. Geralmente aceno se estou de acordo ou franzo o sobrolho se me choco facilmente com um projecto específico.
O Zé diz que eu sou como a "prata da casa" e que assim não tem de pagar a Consultoras com nomes sonantes no mercado.
E diz que eu sou como um barómetro silencioso, uma Cassandra com um instituto assassino para os negócios.
Ele acha que eu desenvolvi esta vertente patológica para delinear estratégias empresariais a preço zero nas minhas viagens no 44 da Carris. Deve ser por isso que me paga o Passe (Metro incluído) todos os meses. Eu respondo e aceno com a cabeça (muito Diana Ross) que o 44 é um exercício sociológico da realidade portuguesa porque percorre em algumas meias-horas o tecido industrial e a economia de serviços dos Alfacinhas que suam a estopinhas.
"Vai do Luxo ao Lixado", como diz a Maria. E eu lá vou do Parque das Nações ao Cais do Sodré. Nestes momentos de rara e serena contemplação à janela de um autocarro ausculta-se a realidade dos Lisboetas de gema ou dos patos-bravos ocasionais (passageiros muito pouco frequentes). Quando paramos no Hospital dos SAMS nos Olivais entram dezenas de carpideiras com dores tão fortes que o coro de vozes femininas da Bulgária quase perdia mercado no vinil. No Aeroporto entram Comissários de Bordo e Hospedeiras cheias de sono e já com maquilhagem de três dias. Na Avenida do Brasil entram empregados de escritório e os seus respectivos empregados internos de passeio a Alvalade. Olívias Patroas e Olívias Costureiras. E depois são as Avenidas Novas numa loucura de trânsito até à Avenida da Liberdade. No Marquês de Pombal o autocarro apanha sempre turistas com "pelotas" da Camper que fazem imensas perguntas sem nexo tipo "good restaurant with grilled sardines nearby?" e há sempre alguma hospedeira que começa a gritar com o motorista e diz que está atrasada para ir cortar o cabelo ao Patrick e fazer as unhas no Sérgio e Margarida.
No Rossio apanhamos carteiristas e depois não paramos até ao Cais do Sodré. Jogo limpo.
O Zé Eduardo tem razão. Eu mereço que ele me pague o Passe Combinado até atingir a idade de reforma e poder viajar de graça.

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