sábado, 14 de agosto de 2010

O Zé Eduardo vai a banhos. Literalmente. E de Villebrequin...

A Sílvia liga para dar uma grande novidade. Para soltar a bomba. Para desabafar. Entre conversas em tom melancólico sobre o quão está farta de fazer compras em Sloane Street e dos tratamentos faciais da Eve Lom, e de confissões ligeiras sobre utilizações desastrosas de um novo creme de depilação na banheira do hotel, lá fico a saber que este fim-de-semana está por Lisboa. Pelo Monte-Estoril mais precisamente. E que vai fazer uma festa na piscina para os amigos mais chegados. E que eu sou o amigo mais chegado dos dois. Estou obviamente convidado. Ela diz que o Zé Eduardo já comprou tudo para a festa e que os miúdos não páram de perguntar desde terça-feira quando é que eu chego. Eu acho estranho porque ainda ontem falei com eles ao telefone sobre o Playmobil bombeiro (as crianças estão muito preocupadas com os incêndios na Peneda-Gerês) e sobre o Pini-Pom jogador de Rugby (as crianças adoram desporto e estão "muito à frente"). A Sílvia diz que os miúdos estão desejosos de me ver porque ela prometeu que eu passava o dia todo a brincar na piscina com eles. E que levava bolos fresquinhos e cheios de creme de pasteleiro (talvez mesmo chantilly) da Versailles. E que lia as histórias dos livros todos que a mãe trouxe do Harrods da secção de literatura comparativa eslovaca-húngara. E que cantava se fosse preciso. A Sílvia é uma santa. O Zé precisa de a canonizar o quanto antes. Talvez na diocese de Pristina. Ou talvez num local perdido do Deserto de Gobi na Mongólia.
Pois o dia chega finalmente e a jornada começa de maneira imprevisível. Não só sou o último a cruzar o portão dourado do jardim para a piscina como as crianças não me ligam nenhuma ao princípio. Estão loucas de paixão pelo irmão da Sílvia que chegou de Marrocos de mais uma aventura de Jeep no deserto, e vibram com as histórias mirabolantes do tio. Mirabolantes mesmo porque o Rui conta sempre a mesma coisa quando toda a gente sabe que ele passa um mês no La Mamounia de barriga para o ar. Se tivesse barriga, isto é, porque foi abençoado com o corpo do Dolph Lundgren e até tem o mesmo tom de cabelo. Um Sueco mentiroso, portanto. Mas divertido. Lá estendo a minha toalha da Zara à beira da piscina olímpica e o Zé não perde tempo. Senta-se ao meu lado e começa a dizer mal do Rui. Que ele não paga nada, que tem dívidas de milhares de Euros ou Dirhams no banco, que usa a roupa dele para eventos sem pedir e sem sequer mandar limpar a seco de seguida. E que as crianças não têm presentes de Natal do tio há anos. Ter têm porque ele coloca a etiqueta dos meus com o nome dele. O Zé olha para mim com um ar de perdigueiro em busca de perdão mas eu não me rebaixo. Acho indecente que ele diga aos miúdos que os bonecos da Rua Sésamo em miniatura que eu trago de NYC e as roupas da linha da Tory Burch para criança são do Rui. Ele olha para mim e diz que as crianças não sabem quem é a Tory Burch e que em casa não vêm a Rua Sésamo. Bem, assim já acho melhor. Até agradeço o gesto. Não quero que os miúdos comecem a fazer perguntas inconvenientes tão cedo. O Zé olha em volta e diz que afinal apareceu muita gente na festa. Três sócios do escritório, duas amigas da Sílvia do Liceu Francês que ela jura não conhecer mais gordas ou magras, o professor de judo das crianças e a família alargada de Florianópolis dos cinco empregados brasileiros que o Zé convenceu a Sílvia a contratar. E está também a namorada do Rui, uma Russa loura como um urso polar que ele diz que foi Miss Vladivostok. Claro, e Miss Mundo no Festival de Caracas de 1974. O Zé diz que os miúdos a detestam porque ela não fala uma palavra de português e não brinca com eles no escorrega ou explica como se resolve o Cubo de Rubik. Uma parva, digo eu. E vesga seguramente porque toda a gente sabe que basta colar cada quadradinho de cores no mesmo lado para se solucionar o enigma. Quando estou muito tranquilo no meu canto a saborear um sumo de toranja gelado, os miúdos lá percebem que o tio é um actor de terceira categoria e que é melhor virem chatear-me a mim. E vêm em força porque a primeira coisa que fazem é ir buscar o cão à cozinha (pobre Soupas) para fazer xixi na minha perna. Parece que o cão está incontinente  e agora faz as delícias dos miúdos com esta peripécia. Estes, não contentes, saltam para a piscina em estilo bomba-relógio e molham toda a gente. O banhista louco em miniatura começa a chapinhar e a dizer que há um monstro no fundo da piscina. A irmã não se fica atrás e atira água e bóias para todo o lado e diz que o irmão fez xixi e tirou os calções debaixo de água . O Zé salta para dentro da piscina, seguido do cão e do Rui. A Russa abstem-se de momento e volta a colocar protector 75 no rosto e corpo. A Sílvia come a primeira bola de maracujá do gelado da Santini e a família alargada brasileira comenta que o frango de churrasco está uma "delíiiiiiiiiiiiiicia". O professor de judo joga charme para cima da Russa Miss Catecismo Anglicano e as duas amigas do Liceu Francês debatem o último da Marguerite Duras. Eu volto-me para o outro lado e tento dormir para não perturbar as jogadas na bolsa de Fukuoka dos três sócios do Zé que não largam o telemóvel 3G. E estava lindamente até ser perturbado novamente pelo Soupas na sua incontinência aguda. Vida de cão custa muito. Eu que o diga.

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