quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Escrever é fácil, segundo Séneca....

A Maria diz que está a pensar escrever um livro. Um romance. De aventuras, provavelmente. Eu, que adoro romances e aventuras de igual forma e sem ordem preferencial, fico muito entusiasmado com a ideia da minha amiga. A Maria diz que parte do romance será inspirado em factos reais e parte substancial em pura invenção criativa. Como se fosse uma revista de tendências de moda Outono-Inverno no Abu-Dhabi ou um guia de televisão por cabo na Eritreia. Mais ou menos. Até aqui nenhuma novidade. Tudo bem. A Maria diz também que escreverá sobre vários personagens sem não os identificar com os nomes reais. Perfeito, digo eu. E até inteligente porque evita processos judiciais. Ou presumíveis ataques no Metro ou na secção de fruta e verduras frescas do supermercado. Provavelmente na secção de congelados também. A Maria diz ainda que vai introduzir um móbil de crime passional na história. Fantástico. Morte e amor de mãos dadas no recreio. E que talvez aborde alguma situação experimental da crise financeira mundial. Excelente e oportuno. Diz também que vai enquadrar alguns capítulos na terceira pessoa para introduzir um elemento de liberdade linguística. A Maria é um génio. Watch up Raymond Carver, Maria is gonna get you. E pergunta-me se faz sentido criar alguma tensão erótica entre os protagonistas. Eu, que sou sempre apologista de tensões e ainda por cima de forte cariz carnal, apoio a iniciativa a cem por cento. Diz que até já teve uma ideia muito clara para a capa. Em tons negros de novela policial espanhola ou num cinzento pálido qual literatura de cordel escocesa. Extraordinário. Texto brilhante e capa opaca. Apoio totalmente.
É então que pergunto de forma acidental e quase ingénua sobre que tema precisamente falará o livro. E qual o título, já agora. A Maria olha-me de soslaio e eu temo o pior. Será que ela vai arriscar abordar o primeiro divórcio e a pensão milionária negociada pelo advogado de renome? Que se tornou no seu segundo marido? Que se tornou no fiador da casa em Puerto Banús que explodiu o ano passado depois da empregada se ter esquecido de desligar o botão do gás na cozinha? Que escreveu também ele dois livros de normas sobre jardinagem de Bonsai na Osaka do segundo Shogun? Que acha que a Maria já o traiu com o professor de ténis? Que acha que a Maria dorme demais? Que acha que a Maria compra demasiados sapatos. A Maria ri-se e diz que não. Que ele já aceitou o facto dos sapatos repetidos e nunca usados e que já deixou morrer os Bonsai no jardim. E diz que o livro não é sobre o marido. Que aliás nem tem tempo para ler. Diz que o livro é sobre filosofia helénica no tempo de Péricles. E que aborda também algumas questões de deontologia teatral do consulado de Eurípides em Éfeso. Que bom. A Maria agora escreve sobre filosofia. Talvez mesmo até sobre artes plásticas na escola de Esparta. O meu livro sobre Séneca tem concorrência. Tenho de criar uma manobra de diversão. Vou escrever sobre mim. Ou talvez não. Talvez acabe por abordar algo mais prático e próximo. Ou com uma distância calculada. Vou escrever sobre a Maria. Ela ri-se e diz que faço bem. E que quer 50% dos direitos de autor. Ora bolas Maria, assim nunca chego ao break even.

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